O silêncio da CBF. Entidade se cala diante da acusação de favorecimento ao Palmeiras. A denúncia foi feita pelo presidente do sindicato dos árbitros do Rio de Janeiro. A suspeita fere a credibilidade do Brasileiro de 2016. Como algum patrocinador sério pode colocar dinheiro no futebol deste país?
"Se o árbitro erra contra o Palmeiras, lá dentro [do estádio do clube], fica fora da escala. Duvido que seja indicado para uma vaga da Fifa. Todo mundo sabe o motivo. Sabe que Marco Polo é sócio benemérito do Palmeiras."
A acusação é gravíssima. No Brasileiro de 2016, repleto de erros que influenciam na classificação, as palavras de Marçal Mendes deveriam ser levadas muito a sério. Afinal, ele é o presidente do Sintrace-RJ (Sindicato dos Trabalhadores da Arbitragem Esportiva do Estado do Rio de Janeiro.
Marco Polo del Nero é conselheiro vitalício do Palmeiras. E seu clube está há 22 anos sem vencer o Campeonato Nacional.
A interpretação das palavras de Mendes não poderia ser mais direta. Pressionar os juízes cariocas seria a sua 'contribuição para o título'. Pressionar para não errar contra o Palmeiras é um eufemismo. Contra os outros clubes não haveria problemas?
Marçal tem contato íntimo com os árbitros do Rio de Janeiro. Ouve suas queixas, reclamações, sabe da insegurança em relação à carreira.
Com critérios subjetivos, a Comissão Nacional de Arbitragem eleva um juiz até transformá-lo em árbitro Fifa, com jogos importantes, nos torneios mais significativos do planeta. Com direito às mais valiosas taxas.
A Comissão Nacional de Arbitragem também pode colocar o árbitro fora das escalas. Rebaixá-lo de divisão. Acabar com sua carreira.
A comissão tem íntima relação com a CBF. Ela na sede da entidade presidida por Marco Polo del Nero. Foi ele quem mandou trocar Sérgio Corrêa pelo tenente-coronel Marcos Marinho, que comandava a arbitragem, sem nunca ter sido juiz, em São Paulo.
Marinho assumiu esse cargo na capital paulista depois do escândalo envolvendo Edílson Pereira de Carvalho. Marco Polo, presidente da FPF, queria a aura de austeridade, a respeitabilidade de Marinho. Ele foi comandante do Batalhão de Choque, que cuida do policiamento nos estádios.
Marçal não fez a acusação em uma roda de amigos, descontraído no Posto Seis, da Barra da Tijuca. Não. Ele fez um discurso em uma audiência pública do Ministério do Trabalho, ontem no Rio de Janeiro.
A CBF e a Comissão Nacional de Arbitragem escolheram o pior caminho em relação a assustadora acusação. O silêncio. Não atenderam repórteres que quiseram ouvir o outro lado. Optaram por tentar não aumentar a polêmica.
A diretoria do Palmeiras também optou por se calar. O ônus da prova é de quem acusa. E ponto final.
Ponto final?
O Ministério Público e o Ministério do Trabalho tem a obrigação de investigar se a acusação é procedente. Porque, na atual configuração do futebol brasileiro, Marco Polo del Nero tem poder para fazer o que Marçal acusa.
Ter poder, não significa que faça.
Caberia ao Ministério Público e o Ministério do Trabalho convocarem o presidente do Sintrace-RJ a depor. Que ele apresentasse os juízes que receberam a recomendação de não errar contra o Palmeiras. E que todos fossem ouvidos oficialmente.
O UOL fez um levantamento que dá força à acusação de Marçal. Mostrou que os árbitros que erraram contra o Palmeiras, se arrependeram amargamente neste Brasileiro.
"Na rodada 5, os palmeirenses reclamam de um gol irregular do Grêmio, mas conseguiram a vitória por 4 a 3. O árbitro Marielson Alves Silva ficou por oito rodadas sem atuar na Série A. Na rodada 18, a equipe paulista aponta irregularidade no gol que empatou a partida com a Chapecoense em 1 a 1. Neste caso, Wilton Pereira Sampaio só voltou a trabalhar na Série A na rodada 24.
Na estreia, o Palmeiras ganhou de 4 a 0 do Atlético-PR e ainda assim reclamou de pênalti não assinalado em cima de Gabriel Jesus. O árbitro Bruno Arleu de Araújo só voltou a apitar na rodada 13.
No clássico contra o São Paulo, o Palmeiras venceu por 2 a 1 com um gol irregular de Mina. O juiz Sandro Meira Ricci ficou cinco rodadas sem trabalhar na Série A. Finalmente, na goleada por 4 a 0 em cima do Figueirense, na rodada 12, os palmeirenses não tiveram reclamações, mas o árbitro ficou em cinco rodadas sem apitar uma partida de Série A."
Tudo isso é muito sério. Não é uma mera questão de bairrismo como pessoas tentam minimizar, garantindo que é uma defesa do Flamengo. Longe disso.
Se trata de uma acusação pública contra o presidente da CBF. De importante dirigente da arbitragem neste país. Não é possível que não haja investigação se há ou não favorecimento ao clube que Del Nero é conselheiro vitalício.
Se não houver, que Marçal pague pelo que falou.
O silêncio não mata a questão.
Pelo contrário.
Desperta dúvidas.
E fere de morte a credibilidade do Brasileiro.
Bandeira de Mello, presidente do Flamengo, acusou o Palmeiras de ser ajudado pelas arbitragens no Brasileiro. Só que ele também é íntimo de Marco Polo del Nero. Não fosse assim, não teria aceito ser o chefe da delegação da Seleção na Copa América dos Estados Unidos. Depois, pressionado dentro do Flamengo, recuou. Mas só após aceitar publicamente.
Seu clube foi favorecido com a interferência externa no Fla-Flu. Algo proibido pela Fifa. E que acabou por afastar o árbitro Sandro Meira Ricci. Mas Bandeira de Mello não fala mais sobre o caso.
A patrocinadora do Palmeiras, a Crefisa, chegou a ter o seu logotipo na camisa do clube e também nos árbitros no mata-mata do Campeonato Paulista de 2015. Não bastava ser indecente. Precisou a Fifa taxar como ilegal para que o apoio terminasse. O Santos venceu o torneio.
Como um patrocinador sério vai investir no futebol nesse país? Gastar centenas de milhões para batizar um estádio, dezenas de milhões e colocar seu logotipo na camisa de um clube que disputa o Brasileiro, pagar para estar na transmissão dos jogos? Com a possibilidade de disputar um campeonato de cartas marcadas.
A CBF faz um imenso mal ao futebol brasileiro com sua falta de transparência. Com sua rejeição em profissionalizar os árbitros. E mantê-los sob rédea curta, sem a menor independência. Situação que só desperta suspeitas.
Mas a culpa não é de Marco Polo.
É dos clubes que aceitam essa situação. Dirigentes não têm coragem de se unir e acabar com esse atraso. Se submetem rodada a rodada a um bingo na escala de juízes de seus jogos. Se a viciada Lei Pelé prevê esses sorteios, que seja mudada.
O bingo acontece porque sempre se duvidou da honestidade de quem escalava os árbitros para os jogos no Brasil. A solução foi deprimente.
Criou árbitros inseguros e que sabem: para subir na carreira, não podem ficar contra os times grandes. Eles têm o poder de boicotá-lo, exigir que saiam da escala. Se os clubes têm esse poder, qual a força do presidente da CBF?
Todo ano é a mesma coisa.
Muita desconfiança a cada título.
Troféus chegam manchados aos vitoriosos.
A credibilidade vai pelo ralo.
A audiência cai.
Patrocinadores fogem.
Os times ficam cada vez mais fracos.
O nível do futebol piora.
E os árbitros tensos, fragilizados.
A quem agradar?
Contra quem não errar?
O Ministério Público e o Ministério do Trabalho precisam acordar. Investigar a fundo a questão da arbitragem do Brasil.
Quem se beneficia do amadorismo?
A CBF alega não ter dinheiro para profissionalizar.
Mas bastaria profissionalizar os 300 melhores.
Eles trabalhariam nos jogos mais importantes.
Os milhares outros seguiriam amadores.
Podendo ano a ano lutar para se tornarem profissionais.
Não haveria sorteio.
Os juízes seriam escolhidos por um sindicato independente da CBF. Capaz de andar com as próprias pernas. A legislação poderia separar uma ínfima porcentagem da arrecadação para manter o sindicato dos árbitros.
Não é utopia.
Um sistema parecido é usado na Inglaterra.
Com o julgamento sumário dos jogos.
O Tribunal de Penas.
Sem questões se arrastando por meses.
Solução há.
Basta ter vontade política.
A credibilidade de cada torneio é questionada.
Ninguém confia em ninguém.
E o futebol brasileiro se desmoraliza.
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