Acostumado a apitar jogos do Brasileirão, Igor Junio Benevenuto passou a trabalhar como enfermeiro na UPA do município de Sete Lagoas, em Minas Gerais
Com a paralisação do futebol brasileiro em função da propagação do coronavírus, o árbitro mineiro Igor Junio Benevenuto, de 39 anos trocou os gramados pela Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município de Sete Lagoas, a cerca de 80 km de Belo Horizonte. Enfermeiro de formação, ele dá plantões noturnos desde o último dia 30 para ajudar no combate à pandemia.
"Não queria ficar dentro de casa sozinho. Ia ficar sem poder fazer nada. Então, decidi contribuir, fazendo o que eu gosto. Fora que vai me ajudar financeiramente, psicologicamente, emocionalmente, em todos os sentidos", explicou o árbitro.
Sua tia, que mora na Itália - um dos países mais afetados pela doença -, tentou demovê-lo da ideia, mas não teve jeito: "Ela falou: 'você não vai trabalhar, sai disso, tem muitos médicos morrendo, você vai morrer. Mas eu me formei para isso, estou na linha de frente e correndo riscos. Mas é preciso pensar nas outras pessoas, até como gratidão", afirmou.
Benevenuto faz parte do quadro de árbitros da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). No ano passado, apitou em jogos da Série A do Campeonato Brasileiro como Palmeiras X Bahia, disputado em Allianz Parque em 11 de agosto.
Para complementar sua renda, no entanto, ele chegou a trabalhar por oito anos como assessor parlamentar na Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte. No mês passado, pediu exoneração do cargo e agora se dedica integralmente à rotina na unidade pública de saúde. É a primeira vez que trabalha como enfermeiro desde sua formatura em 2012, na Faculdade Pitágoras.
A jornada na UPA vai das 19h às 7h. Quando acaba o expediente, o mineiro costuma dormir até 11h. Ele aproveita a parte da tarde para manter a forma e estudar a partir do material encaminhado pela Comissão de Arbitragem. A iniciativa faz parte das medidas tomadas pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). A entidade anunciou suporte financeiro e apoio psicológico e técnico aos árbitros durante a interrupção dos jogos.
"Tenho feito meus treinos em casa, a comissão de Arbitragem tem mandado links de vídeos, estudos sobre a regra para a gente se atualizar", contou Benevenuto, que tem evitado sair na rua por estar em contato com os pacientes diariamente e estar mais exposto a contaminação.
Apesar da rotina intensa, Benevenuto planeja conciliar daqui para frente a profissão de enfermeiro com a de árbitro. Seu contrato, a princípio, dura até o fim da pandemia, mas ele já pensa em renovar. "Sentia falta. Percebi que esse novo trabalho me faz muito bem, poder ajudar, cuidar das pessoas. Quero muito continuar", disse ele.
Acostumado aos insultos recorrentes na profissão de juiz de futebol, ele está gostando do tratamento no novo ofício. "Você nem apitou ainda e o povo já está te xingando, falando um monte de palavrão. Num hospital, quando a pessoa chega debilitada e você consegue conversar com ela, atender, orientar, ela sai te agradecendo. Você vê a pessoa feliz, e automaticamente isso traz felicidade", constatou o árbitro.
'CARTÃO VERMELHO PARA COVID-19'
Um dos casos marcou Benevenuto. Nesta semana, um garoto de nove anos foi à UPA de Sete Lagoas com suspeita de apendicite. O árbitro atendeu a criança e a acalmou. Só não esperava receber, no dia seguinte, um áudio de agradecimento em suas redes sociais. "Ele chegou muito, muito mal. Conversei com ele, acalmei, até ser encaminhado para o hospital para avaliar se precisaria de cirurgia. Aí ele achou meu Instagram depois e me mandou uma mensagem falando que nunca ia me esquecer", contou o mineiro.
Na nova função, Benevenuto tentou manter o anonimato. Durou apenas dois dias. Um dos pacientes o reconheceu e, logo, a equipe médica inteira descobriu o enfermeiro juiz. Passou a usar isso a seu favor.
"Brinco que vou dar um cartão vermelho para a doença, faço analogias com a profissão de árbitro de futebol que exige determinação. Dentro de campo, a gente acaba sendo também um psicólogo", comparou Benevenuto.
Até o momento, o árbitro não lidou com nenhum infectado por Covid-19. Os atendimentos, em sua maioria, são relativos a gripes comuns por conta do medo da população de ser coronavírus. De acordo com o último boletim epidemiologico divulgado pela Secretaria de Saúde de Minas Gerais, Sete Lagoas tem três casos confirmados. Com o número ainda baixo, o árbitro reforça a necessidade de seguir à risca o isolamento social. "Vejo que o pessoal tem negligenciado, mas quando a pessoa está ali no leito, é muito sério", alertou Benevenuto.
Até então, a única experiência do mineiro em hospital havia sido como o "Doutor Gravatinha", personagem de um projeto que leva alegria a crianças doentes. Se em campo nem sempre consegue agradar a todos, como voluntário e enfermeiro, Benevenuto pretende retribuir tudo o que conquistou.
"A arbitragem me deu dinheiro para poder pagar minha faculdade, melhorar as condições de vida da minha família. Agora é minha vez de fazer minha parte e agradecer", diz.
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