segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

O luto, a luta e o que não pode ser esquecido


por Douglas Ceconello

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O sofrimento jamais vai desaparecer, pois não existe uma contagem regressiva da dor de volta à estaca zero, antes da dor. Mas o sofrimento será arrefecido com o tempo. Assim acontece porque assim é o luto – as instituições declaram luto por respeito, as pessoas assumem o luto para se permitir chorar os seus e talvez vislumbrar um futuro, qualquer futuro, onde a vida seja minimamente possível de ser levada. 

A missão que temos, e não apenas falando do ambiente do futebol, é não esquecer a Chapecoense, cuja recuperação também vai dizer muito sobre nossa capacidade de se solidarizar com o outro, e também o que vimos na Colômbia, que entrou para a história talvez como a maior demonstração de fraternidade já expressa no futebol. O Atlético Nacional se tornou o segundo time de qualquer amante do futebol, e os brasileiros agora são um pouco colombianos, como se nascidos em alguma embaixada do Brasil no departamento de Antioquia.

É claro que a massa que compareceu ao Atanasio Girardot impressiona, mas existe algo além da multidão que é ainda mais significativo. Ou melhor, algo dentro da multidão, que é uma obviedade que não me abandona deste então (e escrevo aqui mais para mim mesmo, então me perdoem se é um raciocínio simplório): a massa foi formada pela vontade individual de cada torcedor que saiu de casa para prestar a sua homenagem. Um estalo pessoal que motivou todo paisa a ganhar as ruas quando um simples like em algum post do Facebook poderia fazer com que se sentisse pagando uma dívida moral a si próprio. 

Não tenho condições de desenvolver um tratado sociológico sobre o povo da Colômbia, mas os poucos colombianos que conheci sempre transmitiram um senso de humanidade e uma leveza de espírito. Sempre dispostos a conversar, sempre afáveis. O conrtário da maldade. E, desde a última terça-feira, não me sai da cabeça uma atitude que diz tanto quanto a presença de milhares de torcedores dois dias depois no palco do jogo que nunca terá fim.

Pouco tempo depois que surgiram as primeiras informações sobre o acidente, a barra Los del Sur começou, através de seu Twitter, a convocar torcedores próximos ao local para ajudar no resgate. Isso já era início da madrugada. Pediam camionetas, lanternas, acessórios e, claro, voluntários. Marcaram um ponto de encontro, e transformaram sua conta na rede social em um canal de mobilização para auxiliar na difícil e traumática operação noturna na região montanhosa.

Com a confirmação da gravidade do acidente, los muchachos da barra se colocaram à disposição para receber, hospedar e transportar os familiares da delegação brasileira que viajassem a Colômbia, e pouco depois sugeriram que a torcida fosse ao estádio na hora do jogo com velas e flores, antes mesmo que fosse manifestada a vontade oficial do clube de realizar o comovente evento massivo que aconteceu. Não é de hoje que Los del Sur são uma barra diferente. Ela desenvolve vários projetos sociais e há anos é responsável pela própria segurança do Atanasio Girardot em dias de jogos. Meses atrás, o Leo Ferro escreveu um ótimo texto sobre a barra.

Foram apenas as primeiras das muitas manifestações que fizeram os brasileiros perceberem como funciona a índole colombiana. A Colômbia é Los del Sur tentando salvar a vida dos rivais. É o vendedor de Bogotá que deixa sua própria loja vazia para levar o turista até o endereço questionado. É o taxista que não cobra a corrida e se dispõe a fazer a volta de graça quando percebe que os passageiros são brasileiros indo ao IML. É o amigo recente que viaja à Colômbia e volta com uma camisa da seleção nacional de presente porque sabe que tu gostas do futebol colombiano. É o grupo de torcedores que viaja sem dinheiro para acompanhar seu time e passar a viver temporariamente em outra cidade, de qualquer forma possível, e quando parte deixa saudades inclusive na torcida rival. É o Atanasio Girardot aprendendo de um dia para o outro as músicas do adversário para fazer ecoar um “Vamo, Vamo, Chape!” que vai continuar causando calafrios no continente.

De uns anos para cá, passei a fazer um chiste dizendo que a Colômbia salvaria o futebol, em referência à grande geração cafetera e à forma lúdica como muitas vezes ainda fazem questão de jogar. O que não fazia ideia é que os colombianos não salvariam apenas o futebol, mas também conseguiriam recuperar a humanidade que mora em todos, mas que muitas vezes parece perigosamente adormecida. Em poucos dias, é provável que o Atlético Nacional enfrente o Real Madrid na final do Mundial de Clubes. Eu já torceria pelos verdolagas de qualquer forma. O motivo a mais que tenho a partir de agora é a oportunidade de retribuir um abraço, qualquer que seja o resultado. Com ou sem título. Com ou sem futebol, na verdade.

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