Nascimento: 27 de setembro de 1976, em Roma, Itália.
Posições: Atacante e Meia-atacante
Clube: Roma-ITA (1989-2017)
Principais títulos por clube: 1 Campeonato Italiano (2000-2001), 2 Copas da Itália (2006-2007 e 2007-2008) e 2 Supercopas da Itália (2001 e 2007) pela Roma.
Principais títulos por seleção: 1 Copa do Mundo da FIFA (2006), 1 Campeonato Europeu Sub-21 (1996) e 1 Jogos do Mediterrâneo Sub-21 (1997) pela Itália.
Principais títulos individuais e artilharias:
Guerin d’Oro: 1998 e 2004
Melhor Jogador Jovem da Serie A: 1999
Eleito para a Seleção da Eurocopa: 2000
Melhor Jogador do Ano da Serie A: 2000 e 2003
Melhor Jogador Italiano do Ano: 2000, 2001, 2003, 2004 e 2007
Eleito para o Time do Ano da ESM: 2000-2001, 2003-2004, 2006-2007
Cavaleiro da Ordem ao Mérito da República Italiana: 2000
FIFA 100: 2004
Eleito para o All-Star Team da Copa do Mundo da FIFA: 2006
Ordem Oficial ao Mérito da República Italiana: 2006
Pallone d’Argento: 2007-2008
Golden Foot: 2010
Prêmio Nazionale Carriera Esemplare “Gaetano Scirea” (concedido ao melhor jogador do ano acima dos 30 anos na Serie A): 2014
Prêmio Internazionale Giaccinto Facchetti: 2014
Maior Assistente da Serie A: 1998-1999 (11 assistências), 2006-2007 (9 assistências) e 2013-2014 (10 assistências)
Artilheiro da Serie A: 2006-2007 (26 gols)
Maior Assistente da Copa do Mundo da FIFA: 2006 (4 assistências)
Chuteira de Ouro da Europa: 2006-2007
2º Maior Artilheiro da História da Serie A: 250 gols
UEFA President’s Award: 2017
“Il Capitano di Roma”
Ele foi devoto de um clube por 28 anos. Passou de gandula a mais jovem capitão. No auge da carreira, disse não ao Real Madrid e não quis ser um “Galáctico”. Afinal, lá ele seria mais um. Na Itália, ele era único. Era Il Capitano. Não se importava com títulos. Se importava com a torcida, com a camisa romana e em servir seu clube do coração. Foi ele quem mais vestiu a maglia giallorossa. Foi ele quem mais fez gols. Foi ele quem mais judiou da rival Lazio no Derby della capitale. Foi ele quem mais vibrou. Foi ele quem incorporou a Roma como nenhum outro jamais incorporou. Ídolo, deus, imperador. Adjetivos sobram, mas ainda assim são escassos para definir o que foi Francesco Totti para a AS Roma. Depois dos brilhantes anos 80, a equipe da capital italiana ficou na carência de um ídolo e, também, de títulos. Foi então que surgiu um jovem franzino que, dia após dia, foi conquistando seu espaço no time até fazer seu debute com apenas 16 anos, em 1993. A partir daquele ano, Totti começou a escrever sua história, e, em 2001, liderou a Roma na conquista de um inesquecível Scudetto que sepultou o jejum de 18 anos sem títulos. Suas atuações o levaram à Seleção Italiana, pela qual viveu momentos de drama, como quando foi expulso na Copa de 2002 em uma partida com terríveis erros de arbitragem, mas momentos de glória, como quando colocou a Itália nas quartas de final da Copa de 2006 com um gol de pênalti no último minuto, e, claro, o título daquela Copa. Por seus pés foram feitos gols incríveis, construídas jogadas plásticas e realizadas assistências impressionantes. Na Curva Sud, setor mais famoso da torcida da Roma no Estádio Olímpico, ele vibrou, celebrou e sempre deixou explícita sua condição de jogador-torcedor. No dia do adeus, chorou, como choraram os torcedores espalhados pela Itália e pelo mundo. Para eles, Totti poderia jogar até os 50, 60, 70 anos. Mas ele reconhecia que era mesmo a hora de parar e retirar de vez sua mítica camisa 10, que foi lançada ao espaço para que ninguém mais na terra a vista novamente. É hora de relembrar uma das maiores histórias de fidelidade clubística em todos os tempos.
O início sob os pés da Muralha Aureliana
Filho de Lorenzo e Fiorella Totti, Francesco nasceu em 27 de setembro de 1976, na vizinhança de Porta Metronia, um portão do século III na Muralha Aureliana de Roma, localizado ao sul, no Rione XIX – Celio. Por lá, adorava jogar futebol e vivia batendo bola em casa, mas “sem quebrar nada” como sempre frisou sua própria mãe, Fiorella. Embora o irmão mais velho fosse tratado como o grande jogador da família, era Francesco quem se destacava na vizinhança e, com oito anos, deu suas primeiras mostras no Fortitudo, onde deixava os adversários atordoados com sua habilidade e velocidade, armas que usava para amenizar a pouca altura e magreza. Tempo depois, jogou no Smit Trastevere e no Lodigliani até despertar interesse dos grandes clubes, entre eles Milan e Lazio, que levaram sonoros “nãos” tanto de Totti quanto de sua mãe, que não queria deixar o menino sair da cidade, além de o pupilo querer jogar no clube de seu ídolo, Giuseppe Giannini: a Roma.
Curiosamente, o pai de Giuseppe, Ermenegildo Giannini, viu Totti jogando no Lodigliani certa vez e disse ao loirinho:
“Você se parece muito com meu filho. Será um campeão como ele”.
E, para fazer jus às palavras de Giannini-pai, Totti foi para os juvenis da Roma, em 1989. Cada vez mais entusiasmado, o jovem começou a frequentar estádios e a conviver no clube. Em 1990, viu pela primeira vez o derby da capital, com o pai, no qual a Roma bateu a Lazio por 1 a 0, gol do alemão Rudi Völler. No ano seguinte, passou a ser gandula quando sobrava uma vaguinha e protagonizou um episódio inusitado em uma partida pela extinta Copa Intertoto entre Roma e Brondby, da Dinamarca. Com a Roma vencendo por 1 a 0, Totti, com 15 anos, se recusou a dar a bola para o goleiro do Brondby para a cobrança de um tiro de meta a fim de atrasar a vida do rival. Acontece que o goleiro era ninguém mais ninguém menos do que Peter Schmeichel, um dos maiores arqueiros de todos os tempos (leia mais sobre ele clicando aqui)! O grandalhão ficou furioso e disse poucas e boas para o loirinho, que cedeu tempo depois e entregou a bola para o dinamarquês! Aos 16 anos, Totti foi promovido ao time profissional e, um ano depois, fez sua estreia na equipe titular em uma partida contra o Brescia, em 28 de março de 1993. Quando o técnico Vujadin Boskov disse ao garoto “se aqueça”, ele nem acreditou e pensou até que não era com ele. Mas era. Vestindo a camisa 16, Totti fez seu debute. Não teve gol, mas foi um momento histórico: começava naquele dia a história de uma lenda romanista.
Talento de sobra
Na temporada 1994-1995, Totti passou a jogar com mais regularidade sob o comando de Carlo Mazzone e fez seu primeiro gol pela Roma no empate em 1 a 1 com o Foggia, em 04 de setembro de 1994. Jogando como segundo atacante, o jovem mostrava muita habilidade com a bola, passes precisos, grande visão de jogo, velocidade, raça e um chute poderoso. A torcida começava a se encantar com o garoto e via grande futuro para ele no clube. Em alguns jogos, Totti teve ainda o prazer de jogar ao lado do ídolo Giannini, que vestiria a camisa da Roma até 1996, ano em que foi jogar no Sturm Graz, da Áustria. O “Príncipe” foi muito importante para o amadurecimento de Totti como jogador e um espelho para o que ele poderia ser para o clube no futuro, tanto como profissional como na forma de jogar. Curiosamente, a saída de Giannini possibilitou mais chances para Totti no time titular, pelo qual ele passaria a atuar também como meia-atacante. Com atacantes mais experientes no time à época, Totti se preocupava em conceder chances para que eles marcassem gols ao invés de ele mesmo anotar os seus. Por isso, ele ficava muito mais feliz ao ver uma assistência sua ser concluída.
Nas temporadas 1994-1995 e 1995-1996, Totti disputou mais de 40 jogos na Serie A e passou a titular absoluto do time. Mas, justo na temporada que ele mais tinha esperança de se firmar de vez – na 1996-1997 – quase tudo ruiu. Carlos Bianchi, técnico argentino da Roma na época, não aproveitava como deveria o garoto na equipe e, para piorar, ambos não se davam bem. Bianchi chegou inclusive a sugerir um empréstimo de Totti à Sampdoria, em 1997, para a ira do jovem, que ficou no time graças à intervenção do presidente Franco Sensi. Tempo depois, o jogador comentou essa época:
“Não suportava o Bianchi. Ele queria que me emprestassem à Sampdoria e, se eu tivesse ido, não teria voltado ao clube que é minha casa e minha vida. Esse senhor (Bianchi) não me permitia viver o sonho que eu queria”. Francesco Totti, em entrevista reproduzida no Diário Marca, 15 de Março de 2016.
Para a tranquilidade do craque, Bianchi deixou a Roma rapidamente para fazer história no Boca Juniors e Totti pôde, enfim, mostrar seu futebol em sua totalidade a partir da temporada 1997-1998. Antes disso, ele já era figura carimbada, também, nas seleções juvenis da Itália e venceu, em 1996, o título do Campeonato Europeu Sub-21, no qual ele foi um dos destaques ao marcar o gol da vitória por 1 a 0 sobre a França, na semifinal, e autor de grandes jogadas ao lado de Vieri, Panucci, Nesta e Cannavaro. Depois de vestir as camisas 16, 9, 20 e 17, ele tomou para si a camisa 10 com a chegada do técnico Zdenek Zeman e não a largou mais. Foi Zeman, inclusive, quem começou a explorar mais o talento do jovem e a crer em seu potencial como líder. Nas temporadas 1997-1998 e 1998-1999, o craque disputou 61 jogos na Serie A e marcou 25 gols, mostrando um grande poder de decidir partidas e flexibilidade para atuar em todas as partes do ataque. Com apenas 22 anos, ganhou a braçadeira de capitão do brasileiro Aldair e assumiu de vez a liderança do time. Muitos esperavam vê-lo na Copa de 1998, mas o técnico Cesare Maldini não chamou o craque. Azar da Itália, que acabou eliminada pela França nas quartas de final.
Enfim, as primeiras chances na Azzurra
Na temporada 1998-1999, Totti foi eleito o “Futebolista Jovem do Ano” na Serie A e passou a ser requisitado pela torcida na Seleção Italiana. Com a chegada de Dino Zoff ao comando da Azzurra, o atacante ganhou sua primeira convocação em outubro de 1998, nas Eliminatórias para a Eurocopa de 2000, na vitória por 2 a 0 sobre a Suíça, em Udine. O primeiro gol viria dois anos depois, na vitória por 2 a 0 sobre Portugal. Aliás, na Itália, Totti nunca seria um goleador nato pelo fato de atuar mais como um meia-atacante e não ter a liberdade que tinha na Roma. Após a classificação para a Euro, o craque viajou com a delegação para Bélgica e Holanda para a disputa da competição continental. Na primeira fase, o meia demonstrou estar em ótima fase e foi o principal destaque do time de Dino Zoff. Após a vitória sobre a Turquia por 2 a 1, na estreia, Totti marcou seu primeiro gol no torneio na vitória sobre a anfitriã Bélgica por 2 a 0. Contra a Suécia, nova vitória italiana, por 2 a 1, e classificação sem sustos para a segunda fase. Nela, Totti marcou mais um gol, dessa vez na vitória por 2 a 0 sobre a Romênia. Na semifinal, páreo duro contra a Holanda, outra anfitriã. Com o 0 a 0 no placar e Totti no banco, Zoff colocou o craque no segundo tempo, e, após a prorrogação, a decisão da vaga na final foi para as penalidades. Com muito sangue frio e categoria, Totti converteu sua cobrança com uma cavadinha sensacional pra cima de Van der Sar e ajudou a Itália a vencer por 3 a 1.
Na grande final, Totti jogou muito bem, deixou a zaga francesa atordoada e mostrou que vivia uma fase esplendorosa. A prova disso foi aos 10´do segundo tempo, quando percebeu Pessotto livre na direita e, mesmo marcado, deu um passe genial de calcanhar para o lateral, que cruzou na medida para Delvecchio abrir o placar para a Itália: 1 a 0. No entanto, a França chegou ao empate no minuto final do jogo, e, na prorrogação, um fatídico “gol de ouro” de Trezeguet ruiu o sonho do bicampeonato europeu da Azzurra. Foi um baque tremendo para o jogador, assim como para toda a Itália, em uma de suas mais doloridas derrotas na história. Se servia como consolo, Totti foi eleito o melhor jogador da final e escalado no “Time dos Sonhos” da competição. Mas não havia tempo para descanso. Ele tinha sérios compromissos com a sua querida Roma, a única capaz de fazê-lo sorrir de novo.
A temporada inesquecível
Com Fabio Capello no comando técnico, a Roma entrou na temporada 2000-2001 disposta a acabar com a farra da rival Lazio no Calcio. O time celeste havia vencido o Scudetto da temporada anterior e outros títulos no âmbito europeu, algo que mexeu com o orgulho romanista. Capello tinha uma equipe entrosada e competitiva com Samuel, Cafu, Candela, Tommasi, Montella, Batistuta e, claro, Totti, capitão, craque e líder do time. O treinador fez questão de construir um esquema tático baseado exatamente nas qualidades do camisa 10 e fazia a Roma jogar num 3-4-1-2, com Totti arquitetando as jogadas para Montella e Batistuta infernizarem as zagas rivais. Após alguns resultados modestos, o time se encontrou no Campeonato Italiano e terminou o ano de 2000 na liderança do torneio e na reta final da Copa da UEFA.
Já em 2001, a equipe acabou eliminada da competição continental, mas se dedicou totalmente ao torneio nacional e não decepcionou. Com partidas empolgantes, ótimas atuações coletivas e a genialidade de Totti em cada jogo, a Roma foi superando os rivais até chegar ao dia 17 de junho de 2001, quando uma vitória diante do forte Parma daria o título à equipe da Loba. Mais de 75 mil pessoas transformaram o estádio Olímpico num verdadeiro Coliseu e viram Totti abrir o placar aos 19’ e extravasar com uma de suas mais emblemáticas comemorações, tirando a camisa como um verdadeiro torcedor fanático. A Roma seguiu dando trabalho para o goleiro Buffon, que evitava uma goleada dos giallorossos ainda no primeiro tempo. Mas, aos 39’, Montella ampliou após o rebote do goleiro e fez explodir o Olímpico com o 2 a 0.
Na segunda etapa, a Roma seguiu tinindo e Totti ávido por seu primeiro Scudetto. Aos 33’, Batistuta, o único do “tridente” que ainda não havia marcado, fez o terceiro gol e sacramentou de vez a conquista. Ao apito do árbitro, a torcida invadiu o gramado e o lado grená da cidade ficou em festa: depois de 18 anos, a Roma era campeã da Itália. A campanha foi simplesmente irrepreensível: 75 pontos, 34 jogos, 22 vitórias, nove empates, três derrotas, 68 gols marcados (melhor ataque) e 33 gols sofridos. Gabriel Batistuta foi o artilheiro do time com 20 gols, seguido de Montella e Totti, ambos com 13. Além disso, a Roma foi líder da 6ª até a 34ª rodada, teve a melhor média de público do campeonato (64.720 pessoas por jogo) e não perdeu uma partida sequer em casa.
Totti comemorou muito a então mais importante conquista da carreira, se reunindo com familiares e amigos em Porta Metronia, seu querido bairro da juventude. O craque jantou, cantou no karaokê, subiu na mesa, dançou e se divertiu muito. Tempo depois, no rione Monti, a torcida pintou um mural do jogador que virou um símbolo da cidade e da conquista em si. Ainda em 2001, o craque ajudou a Roma a vencer a Supercopa da Itália (vitória sobre a Fiorentina), fez seu debute na Liga dos Campeões da UEFA (a Roma acabou eliminada precocemente) e ficou em quinto lugar na votação do Ballon d’Or. Enfim, o camisa 10 chegava em outro patamar. Ele não era mais apenas o capitão da Roma. Ele era um dos maiores jogadores do planeta, uma estrela do esporte e requisitado em campanhas publicitárias e adorado até mesmo nos jogos de vídeo game.
Decepções com a seleção e a “marra”
Em 2002, Totti continuou jogando o fino e queria levar sua Roma ainda mais longe. No entanto, a equipe empatou demais e acabou com o vice, um ponto atrás da Juventus. O ponto alto do campeonato ficou por conta da goleada de 5 a 1 pra cima da Lazio, com direito a um gol por cobertura do craque e gozações eternas da torcida para com os celestes. Aliás, Totti sempre fazia questão de jogar tudo o que sabia contra a maior rival e incorporava o mais desbravado torcedor em campo. Prova disso seria o seu desempenho na história do derby, ao se tornar o maior artilheiro do confronto com 11 gols.
Ao término da temporada, o craque se preparou para a disputa da primeira Copa do Mundo da carreira, na Coreia do Sul e Japão. As esperanças da Itália comandada por Giovanni Trapattoni passavam por Totti, a grande estrela daquela equipe. Após uma boa estreia, com passe para gol e vitória por 2 a 0 sobre o Equador, o camisa 10 não repetiu o que fazia na Roma e foi muito abaixo da média nas partidas seguintes. Para piorar, nas oitavas de final, contra a anfitriã Coreia do Sul, Totti sofreu um pênalti claríssimo e acabou sendo expulso por simulação pelo árbitro Byron Moreno – que admitiu o erro tempo depois e foi até preso por porte de drogas, em 2010. A Azzurra acabaria eliminada e a performance de Totti foi muito criticada pela imprensa italiana.
Em 2004, na Eurocopa, Totti outra vez foi mal, assim como toda a Itália, e teve um lapso de fúria logo na estreia, contra a Dinamarca, ao cuspir em Poulsen e ser banido da competição até as semifinais. Acontece que a Itália acabou eliminada já na primeira fase e o camisa 10 não teve tempo de voltar. Na tentativa de defesa da Itália, o camisa 10 deu uma declaração um tanto quanto ingênua (mas muito engraçada) lida pela advogada Giulia Bongiorno à época:
“Eu, Francesco Totti, não me reconheço no Francesco que vocês viram nas imagens.” – trecho extraído de reportagem da BBC, 17 de Junho de 2004.
A advogada disse ainda que ele teria sido vítima da fama pelo fato de a câmera que flagrou a cusparada ter permanecido os “90 minutos focada no craque”. Ela ainda salientou que “isso pode ser uma armadilha no futuro, já que, em minha opinião, não existe nenhum jogador que, filmado por 90 minutos, não se envolva em nenhuma atividade mais ou menos ilícita ou tenha comportamento antiesportivo”. O fato é que os juízes da UEFA não compraram tais argumentos e Totti voltou mais cedo para casa…
O jogador ainda participaria de outros episódios polêmicos ao longo da carreira – ele pisou em Ramelow, do Bayer, em 2004, chutou Balotelli, da Inter, em 2010, e empurrou o amigo Vito Scala ao ser expulso de campo, em 2007. Marrento, ele nunca levava desaforo para casa e sabia “causar” até sem o juiz ver (como quando deu uma “paulistinha” em Diego Milito, num clássico contra a Inter, em 2010). Só quando ficou mais veterano (e após mais de uma dezena de cartões vermelhos…) que o jogador parou de polemizar e arrumar encrencas. Em 2011, outro episódio ainda arranca gargalhadas da torcida até hoje. Era um clássico contra a Lazio pelo Campeonato Italiano. A Roma havia vencido os últimos quatro confrontos e vencia a quina, por 1 a 0, até os 40’ do segundo tempo. Naquele exato minuto, Totti teve um escanteio para cobrar e chamou o brasileiro Fabio Simplício. Ele estava tramando. O capitão não queria ensaiar jogada ou tocar rápido, nada disso. Ele queria fazer cera. Enervar o maior rival. Ele encarnava o torcedor. E era exatamente aquilo que a torcida queria. Dos 40’ até os 45’, Totti e Simplício não saíram daqueles metros quadrados da bandeirinha. Totti chutava a bola no rival, tocava para Simplício, ganhava tempo, ganhava falta a favor, demorava mais um pouco, prendia a bola… E tudo com aquela cara de garoto travesso que só ele tinha.
Foi então que, aos 44’, Radu, da Lazio, derrubou Simplício com uma cabeçada e, claro, levou o vermelho. Totti continuou a infernizar, a Roma ganhou mais alguns minutos e ainda teve um pênalti a seu favor! Totti bateu e fez o segundo gol, o da vitória. Na comemoração, tirou a camisa e foi chamado para ser substituído. Mas, para ganhar ainda mais tempo, quis sair de campo sem camisa e foi barrado pelo quarto árbitro, que só permitia a saída do camisa 10 devidamente vestido. Ele colocou a camisa do avesso, e, mesmo ainda contra a regra, deixou o gramado. A traquinagem estava feita. E a quina contra a Lazio completada. Coisas de Totti…
A maior prova de amor
Em 2004, Totti vivia um momento conturbado. A queda na Eurocopa e seu temperamento haviam abalado a imprensa italiana. E muitos cogitavam uma mudança de ares do atleta para fora da bota. Mas um craque daquele naipe não poderia ir para um clube qualquer. E qual era o mais badalado e endinheirado time do planeta? Oras, o Real Madrid de Florentino Pérez, que havia montado o esquadrão dos Galácticos com Zidane, Ronaldo, Beckham, Figo, Raúl e companhia. No verão europeu, as especulações começaram a surgir e o Real ganhou força. A ida de Totti para Madrid era a chance de ele vencer a sonhada Liga dos Campeões da UEFA, e, quem sabe, se tornar o melhor jogador do mundo. E mais: ter a chance de jogar ao lado do brasileiro Ronaldo, um sonho que ele sempre deixou claro que queria muito realizar. Mas algumas questões pesavam. No Real, ele não seria o líder que estava acostumado a ser. Teria alguns privilégios e respeito, claro, mas não seria “o cara”. Talvez ele não fosse titular absoluto por causa do excesso de astros e teria que ver muitas partidas do banco de reservas – já pensou ver uma final de Liga dos Campeões ao invés de jogá-la? E, em Madrid, ele não teria uma torcida devota e apaixonada por ele, não teria as ruas históricas, as esquinas que remetiam à sua infância, não teria as pizzas, os sorvetes, a Nutella (Totti sempre foi louco por doces)… Tudo isso fez o craque pensar. E ele disse não ao Real Madrid. Como alguém em sã consciência poderia fazer aquilo? Só alguém com muito amor por um clube e avesso ao dinheiro ou bens materiais. E esse alguém era Totti, que não podia largar sua Roma por nada nesse mundo. Em entrevista ao site Goal, Totti comentou esse episódio:
“Eu estive realmente muito perto, nunca assinaria por outro time italiano por respeito às pessoas aqui. Meus arrependimentos são não ter jogado com Ronaldo, o brasileiro, e não vencer a Champions League com a Roma”. – Francesco Totti, em entrevista ao site Goal, 24 de março de 2017.
O falso 9 e o susto
Após o “não” ao Real, a torcida da Roma aumentou ainda mais seu amor pelo ídolo e respirou aliviada com a permanência do craque. Após a saída de Fabio Capello e várias mudanças no time, a Roma continuou sempre entre os primeiros da Serie A e Totti mantendo seu faro de gols e assistências. Na temporada 2004-2005, o craque chegou ao gol de número 100 no clássico contra a Inter que terminou 3 a 3, em outubro de 2004. Meses depois, virou o maior artilheiro da Roma na Serie A ao chegar ao gol de número 107 e ultrapassar Roberto Pruzzo, com 106. Em 2005, o craque se casou com Ilary Blasi, em um verdadeiro evento do ano na cidade, com transmissão pela TV e tudo mais. O curioso é que a moça e sua família eram todos torcedores da Lazio!
Na temporada 2005-2006, Luciano Spaletti colocou Totti como um “falso 9” no ataque da Roma e o craque marcou 15 gols em 24 jogos na Serie A, buscando o jogo, armando jogadas e fazendo o esquema 4-2-3-1 virar, muitas vezes, um 4-6-0. Tudo ia muito bem até o fatídico dia 19 de fevereiro de 2006, quando a equipe tinha a chance de chegar à décima vitória consecutiva na Serie A na partida contra o Empoli. A equipe, de fato, venceu – 1 a 0 – mas o jogo ficou marcado por um drama. Em uma disputa de bola com Vanigli, Totti torceu feio o tornozelo. A imagem foi chocante. Ele acabava de fraturar o perônio e romper os ligamentos do tornozelo esquerdo. E faltavam poucos meses para a Copa do Mundo. Imediatamente ele foi para o hospital e direto para a mesa de cirurgia. Seriam três meses sem futebol. Poucos acreditavam que ele seria capaz de se recuperar a tempo. Mas Marcello Lippi, técnico da Azzurra, fez questão de ligar para o camisa 10 e dizer “nos vemos na Alemanha”.
Foi o combustível que o craque precisava. Com um vigor impressionante, Totti pisou no gramado de treinamento da Roma um mês depois, brincou com a bola e seguiu para as seis horas de exercícios diários que teria que fazer. Paralelo à rotina de trabalho de fisioterapia, o jogador encontrava tempo para assistir aos jogos de sua Roma no estádio Olímpico. Certo dia, ele apareceu no telão em um jogo semifinal da Copa da Itália, contra o Palermo, e um megafone foi entregue ao jogador. Encabulado, ele apenas disse: “Estão me ouvindo? Gosto de vocês. Roma, te amo!”. A partir daquele instante, os torcedores ao lado do craque não conseguiam prestar mais atenção no jogo. Os olhos estavam todos no ídolo, ou melhor, no torcedor Francesco.
Em maio, após três meses, o craque voltou à campo, aliviou a torcida e provou que poderia, sim, ir ao Mundial. Mesmo sem se arriscar muito e ainda com pinos e placas de metal no tornozelo, ele esperava ajudar a Itália da maneira que fosse preciso. Se ele jogasse metade do que sabia já seria de muita valia para a Azzurra. O resto a equipe jogaria por ele.
Dono do mundo
Na Alemanha, Totti tinha ao seu lado uma equipe que não era tão badalada quanto Brasil, França, Espanha ou a própria Alemanha, mas era uma seleção muito forte em todos os setores do campo. Jogando como um clássico 10, Totti era o responsável pelas armações das jogadas juntamente com Andrea Pirlo, Camoranesi e Perrota, oferecendo munição para Luca Toni ou Gillardino marcar. Na fase de grupos, Totti deu o passe para o gol de Pirlo nos 2 a 0 sobre Gana e cobrou o escanteio que resultou no gol de cabeça de Materazzi na vitória por 2 a 0 sobre a República Checa. Com passes precisos, exímio controle de bola e muita frieza, Totti se mostrava onipresente no esquema da Itália e fugia dos holofotes. Ele deixava a fama para os companheiros Cannavaro, Pirlo, Gattuso e Buffon, os mais badalados à época. Era até melhor para o craque, que podia jogar com mais tranquilidade e sem o peso que tinha anos atrás.
Nas oitavas de final, no duro jogo contra a Austrália, foi dele o gol de pênalti no último minuto que classificou a Itália para as quartas. Na comemoração, a clássica chupada no dedo em homenagem ao filho. Nas quartas de final, contra a Ucrânia, o craque voltou a ser garçom com mais duas assistências: a deixada para Zambrotta encher o pé e abrir o placar e o cruzamento na medida para um dos gols de Luca Toni – a Itália venceu por 3 a 0. Na semifinal, um duelo eletrizante e épico contra a anfitriã Alemanha. Totti jogou mais uma vez bem, deu passes marcantes e participou do derradeiro gol de Del Piero que eliminou a Alemanha e colocou a Itália na decisão após a vitória por 2 a 0 na prorrogação.
Na grande final, Totti e a Itália reencontraram a França, algoz da Euro de 2000 e ainda na memória do camisa 10. O jogo foi complicado e, por causa das circunstâncias da partida, Marcello Lippi acabou tirando Totti na segunda etapa já temendo uma prorrogação e um desgaste ainda maior do craque – ainda mais por causa da batalha contra os alemães. Totti não ligou e fez a festa com o triunfo nos pênaltis por 5 a 3 após empate em 1 a 1 no tempo normal, resultado que deu o tetracampeonato mundial à Itália. Enfim, o craque vencia um grande torneio pela seleção, contra tudo e todos. De quebra, foi o maior “garçom” da Copa com quatro assistências, completou 185 passes, deu 19 chutes a gol na competição e foi eleito para o All-Star team da competição. Era o maior momento da carreira do jogador, que se imortalizava de vez como um dos maiores de seu país e do mundo. Após a Copa, Totti decidiu se despedir da seleção por causa de sua condição física e passaria a se dedicar exclusivamente à Roma.
Que saudades de vocês, troféus!
Na temporada 2006-2007, Totti ficou mal acostumado e quis levantar taças, também, com a sua Roma. Em uma forma impressionante e mais uma vez com bons jogadores ao seu lado, Totti fez uma de suas melhores temporadas na carreira e se tornou pela primeira vez o artilheiro da Serie A com 26 gols, fazendo dele o Chuteira de Ouro da Europa. Além disso, ele foi o maior assistente da Serie A com nove passes para gols. O desempenho formidável não resultou em título no campeonato nacional (a Inter foi muito superior e acabou com a taça), mas a história foi bem diferente na Copa da Itália. Após despachar Triestina, Parma e Milan, a equipe enfrentou a Inter na decisão. No primeiro duelo, em Roma, Totti marcou logo no primeiro minuto e embalou seu time para uma goleada inesquecível: 6 a 2. Na volta, a derrota por 2 a 1 em Milão não fez nem cosquinhas nos romanistas, que ficaram com o título.
O momento mais triste na temporada para o craque foi, sem dúvida, a eliminação nas quartas de final da Liga dos Campeões. Depois de uma boa primeira fase e de eliminar o Lyon-FRA nas oitavas – 0 a 0 no duelo na França e um gol de Totti na vitória por 2 a 0 na partida de volta – a Roma enfrentou o Manchester United-ING de Alex Ferguson. No primeiro jogo, em Roma, vitória por 2 a 1. Mas, na volta, em Old Trafford, a Roma sofreu inapeláveis 7 a 1. O gol de honra da Roma foi de De Rossi, após cruzamento de Totti. Foi uma noite terrível e o grande carma do craque e daquele time: por mais que eles fizessem, a Liga dos Campeões sempre era um sonho muito distante. O Manchester acabaria eliminado pelo Milan, futuro campeão.
Em 2007, Totti faturou mais uma Supercopa da Itália (vitória por 1 a 0 sobre a Inter), chegou ao gol de número 200 pela Roma, foi vice mais uma vez no Campeonato Italiano, eliminou o Real Madrid da Liga dos Campeões nas oitavas de final com duas vitórias por 2 a 1 (mas foi eliminado de novo pelo Manchester, dessa vez sem 7 a 1, mas com duas derrotas, por 2 a 0, em casa, e 1 a 0, fora) e sofreu uma grave lesão no joelho direito que o tirou de boa parte da reta final da temporada. De longe, ele viu a Roma chegar a mais uma final de Copa da Itália contra a Inter. E, de novo, a equipe giallorossa ficou com o título, com uma vitória por 2 a 1. Na hora de levantar a taça, lá estava Totti, de camisa branca e calça comprida só para levantar o caneco – o quinto do craque com a camisa da Roma, algo que já fazia dele o capitão mais bem sucedido em número de títulos na história do clube.
Ele merecia um esquadrão
Nos anos seguintes, Totti conseguiu se recuperar após a lesão no joelho, mas viu sua Roma definhar e perder os jogadores que a mantiveram entre os melhores times da Itália e na vitrine europeia. Sem grandes contratações, o time ficou longe de atrapalhar os rivais e brigar por títulos. Totti, no entanto, continuou jogando o fino, cada vez mais garçom, usando os atalhos do campo e mostrando toda sua qualidade, principalmente nos clássicos, com golaços, grandes jogadas e lances de genialidade. Com o mundo do futebol cada vez mais cruel com os clubes sem grandes investidores, a Roma não conseguia dar ao craque um time decente para ser campeão. Naquela virada de década, ele poderia muito bem ter pegado suas coisas e ido embora. Ele tinha valor de mercado e prestígio nas alturas. Mas Totti era fiel à sua Roma, e, mesmo com um time fraco, continuava a carregar a equipe nas costas e a quebrar recordes.
Com gols e assistências, ele ia subindo nas listas de goleadores da Serie A e da própria Roma, bem como nas competições europeias. Em 2013, superou o lendário Gunnar Nordahl e virou o segundo maior artilheiro da história da Serie A com 226 gols. Na temporada 2012-2013, foi o segundo maior “garçom” do campeonato nacional com 12 assistências (duas a menos do que Marek Hamsík) e, na seguinte, foi o maior assistente com 10 passes para gols. Em 2014, na Liga dos Campeões, se tornou o jogador mais velho – 38 anos – a marcar um gol no torneio europeu, no empate em 1 a 1 com o Manchester City, na Inglaterra.
Quando completou 39 anos, viu o personagem de quadrinhos criado em sua homenagem, Papertotti, ganhar uma edição especial na famosa revista Topolino. No mesmo ano, foi manchete em todo mundo graças a mais uma de suas comemorações épicas. Após anotar mais um gol contra a rival Lazio, ele correu em direção à arquibancada e tirou uma selfie com a torcida. Ele comentou:
“Está na moda, né? Eu não sou acostumado a fazer selfies, prefiro manter minha vida privada, mas esta foi uma ocasião especial. Algo que você vai lembrar por muito tempo”.
O adeus de uma lenda
Veterano e com poucas chances no time titular, Totti começou a pensar seriamente em parar a partir de 2016. Mesmo na casa dos 40 anos, Totti tinha técnica e jogava bem mais do que muita gente. Prova disso foi a reta final da temporada 2015-2016, quando entrava e decidia partidas, como quando entrou aos 41 minutos do segundo tempo contra o Torino, na 34ª rodada, com o placar em 2 a 1 para o rival, e, sozinho, virou para 3 a 2. E contra o Genoa, quinze dias depois, quando entrou e deu a vitória por 3 a 2 à equipe com mais um gol decisivo.
Depois de assinar um contrato de mais um ano – que seria seu último como jogador da Roma, abrindo caminho para ser dirigente após 2017 – ele imaginou que seria mais utilizado pelo técnico Luciano Spalletti. Ledo engano. Sempre na reserva, ele jogava, no máximo, 15 minutos. Embora estivesse com 40 anos, o camisa 10 não merecia tal descaso. E, sozinho, jogava muito mais do que um punhado de atletas daquela Roma. Prova disso foi a única partida em que foi titular – os 4 a 0 sobre o Crotone – na qual divertiu os torcedores com dribles geniais e passes assombrosos.
Se a diretoria e o técnico da Roma não lhe davam respeito, a história era bem diferente fora do clube. Em março de 2016, quando entrou no segundo tempo em um jogo contra o Real Madrid, pelas oitavas de final da Liga dos Campeões da UEFA, o Santiago Bernabéu inteiro ovacionou o atleta. Tempo depois, em maio de 2017, o San Siro aplaudiu o nome do craque quando apareceu no telão antes do jogo entre Roma e Milan (vencido pela Roma por 4 a 1) e até faixa foi mostrada nas arquibancadas. No segundo tempo, todos esperavam ver Totti em campo. Mas, quando Spalletti fez usa última alteração e não colocou o craque, um vendaval de vaias acometeu o estádio, seguido de gritos “Totti, Totti”. Percebeu? Não importava a rivalidade nem que o Milan perdia de goleada. Aqueles torcedores queriam ver Totti, a lenda, o homem que estava há 28 anos em um único clube e que tanto havia feito pelo futebol italiano. A figura do craque já havia transcendido o patamar comum.
E, depois de 28 anos, eis que chegou o dia. Curiosamente, um dia 28. Maio de 2017. O estádio Olímpico estava tomado por mais de 59 mil pessoas. Colorido como num dia de final, temperado pelo sol e com os torcedores segurando placas simbolizando a camisa do craque. Nas arquibancadas, um mosaico dizia: “Totti é a Roma”. Como de praxe, ele começou no banco, uma prova enorme do quanto aquele técnico não sabia nada da importância do camisa 10 para o clube. Custava colocá-lo em campo desde o início? Na partida, a Roma saiu atrás do placar, mas empatou. No segundo tempo, Totti entrou aos oito minutos pela última vez e já fez desabar em emoção milhares de torcedores. Era a última vez do gladiador no Coliseu. O craque foi discreto, mas sua presença foi suficiente para embalar a Roma à vitória por 3 a 2, de virada. Nos minutos finais, Totti prendeu a bola, lá no canto do campo, como nos tempos que fazia pirraça quando vencia a Lazio. Mas, naquele momento, ele queria ficar mais tempo com a sua torcida. Ele não queria ouvir o apito do árbitro. Ele só ouvia a pulsação dos corações daquela gente e via os olhos marejados dos torcedores. O cronômetro já marcava mais de 50 minutos. O árbitro ficava até com receio de apitar. Mas, depois de quase sete minutos extras, o jogo acabou. E Totti não segurou a emoção. Muito menos os companheiros de time. Num discurso forte (a íntegra abaixo foi extraída do jornal O Globo), ele falou tudo o que precisava falar para seu povo:
“Obrigado, Roma.Obrigado a minha mãe e meu pai, meu irmão, meus parentes e meus amigos. Obrigado à minha mulher e aos meus três filhos. Quero começar pelo fim, pelas despedidas, porque eu não sei se serei capaz de ler estas linhas. É impossível resumir estes 28 anos em algumas linhas. Eu queria fazer isto em uma música ou um poema, mas não sou capaz de escrever nada disso.Ao longo dos anos, eu tentei me expressar através dos meus pés, o que tornou tudo mais simples para mim desde que eu era uma criança. Falando em infância, vocês conseguem imaginar qual era o meu brinquedo favorito? Uma bola de futebol, é claro. E ainda é, até hoje.Em algum momento da vida, você cresce — isto é que o que me disseram e isso é o que o tempo decidiu. Maldito seja o tempo.Lá atrás, em 17 de junho de 2001, tudo que nós queríamos era que o tempo passasse mais rápido. Nós mal podíamos esperar para ver o árbitro soprar o apito final. Eu ainda sinto aquele frio na barriga quando penso de novo naquilo. Hoje, o tempo veio para me dar um tapinha nas costas e dizer: ‘Nós temos que crescer. Amanhã você será um adulto. Tire esse short e essa chuteira porque, começando hoje, você é um homem. Você não pode mais aproveitar o cheiro da grama, o sol no seu rosto enquanto você se encaminha para o gol adversário, a adrenalina te consumindo, a alegria de celebrar’.Nos últimos meses, eu me perguntei por que eu estava sendo acordado deste sonho. Imagine que você é uma criança tendo um bom sonho… e sua mãe te acorda para ir à escola. Você quer continuar sonhando, tenta voltar para dentro do sonho, mas nunca consegue. Desta vez não é sonho, mas sim a realidade. E você não pode mais voltar para o sonho.Quero dedicar esta carta a todos vocês, a todas as crianças que me apoiaram. Às crianças de ontem, que cresceram e se tornaram pais, e às crianças de hoje, que talvez gritem ‘Tottigol’. Eu gostaria de pensar que, para vocês, minha carreira se tornou um conto de fadas. Realmente acabou agora. Estou tirando minha camisa pela última vez. Eu vou dobrá-la, mesmo que não esteja preparado para dizer ‘chega’, e talvez eu nunca estarei.Perdoem-me por não dar entrevistas e esclarecer meus pensamentos, mas não é fácil apagar a luz. Estou com medo. Não é o mesmo medo que você sente quando está de frente para o gol, prestes a cobrar um pênalti. Desta vez, não sou capaz de ver como será o futuro através dos buracos na rede. Permitam-me sentir medo.Desta vez, sou eu que preciso de vocês e do amor que vocês sempre demonstraram por mim. Com seu apoio, eu vou ser bem sucedido em virar a página e mergulhar em uma nova aventura.Agora é hora de agradecer aos meus colegas de equipe, treinadores, diretores, presidentes e todos que trabalharam ao meu lado em todo este tempo. Aos torcedores e à Curva Sud, uma luz que guiou todos os romanos e todos os torcedores da Roma. Ter nascido romano e romanista é um privilégio. Ser o capitão deste time é uma honra.Vocês são, e sempre serão, minha vida. Não irei entretê-los mais com meus pés, mas meu coração sempre estará com vocês. Agora eu vou descer as escadas e entrar no vestiário que me recebeu quando criança e que agora eu deixo como homem.Estou orgulhoso e feliz de ter dado a vocês 28 anos de amor. Eu amo vocês”.
Foi uma comoção geral. E nem parecia real. O jogador mais emblemático, mais identificado e mais famoso da história do clube dizia adeus. Sempre discreto e tímido, Totti mostrava uma emoção ainda maior. A cada aceno, uma lágrima a mais caía. E a cada passo mais próximo do túnel dos vestiários, mais apertava o coração do torcedor. Ele ganhou títulos, mas como ele merecia mais títulos. Ele marcou gols, mas como ele merecia mais gols. Ele merecia mais. A Roma merecia mais com ele. Era o fim de uma das mais belas histórias de amor no futebol. De fidelidade. Algo raríssimo num mundo tão preocupado com cifras, números, fama e bens materiais. E, no mundo de Totti, a única coisa que valia a pena era a Roma.
Uma lenda imortal
Depois do adeus, muitos questionam se Totti vai se aventurar em algum outro clube ou seguir a função de diretor ou embaixador da Roma. O fato é que o jogador já está no panteão de lendas do esporte, uma unanimidade no meio esportivo e dono de diversos títulos e prêmios. Sua camisa 10 foi até lançada ao espaço para representar que “ninguém mais na terra” poderia vesti-la novamente. Clubes possuem patrimônios como estádios, centros e troféus. Mas, em alguns casos, jogadores também podem ser considerados patrimônios. Totti foi e é um patrimônio da AS Roma. O jogador que metia medo em qualquer adversário mesmo se a Roma estivesse com vários desfalques. Um capitão como nenhum outro. O torcedor em campo. O fanático que adorava vencer o maior rival. O craque respeitado até mesmo por esse rival. Uma lenda. Um ídolo. Um autêntico camisa 10. Um craque imortal.
Números de destaque:
Maior Artilheiro da História da Roma: 307 gols
Maior Artilheiro da Roma na Serie A: 250 gols
Maior Artilheiro da Roma em competições da UEFA: 38 gols, sendo 17 na Liga dos Campeões da UEFA e 21 na Liga Europa
Jogador que mais disputou e que mais marcou gols no Derby contra a Lazio: 43 jogos e 11 gols
Jogador que mais vezes vestiu a camisa da Roma na história: 786 jogos
Jogador que mais vezes vestiu a camisa da Roma na Serie A: 619 jogos
Jogador que mais vezes vestiu a camisa da Roma em competições da UEFA: 103 jogos, sendo 57 na Liga dos Campeões e 46 na Liga Europa
Jogador mais velho a marcar na Liga dos Campeões da UEFA: 38 anos, em 2014
Jogador mais jovem a ser capitão de um clube na Serie A: 22 anos, em 1998
Jogador que mais marcou gols de pênalti na Serie A: 71 gols
Disputou 58 jogos e marcou 9 gols pela Seleção Italiana
O que disseram sobre Totti:
“Um grande jogador. Que fenômeno! ” – Lionel Messi.“Totti é um imortal e um símbolo do nosso esporte. Meu único ressentimento foi não ter trabalhado com ele” – Carlo Ancelotti, ex-jogador e técnico.“Totti é um artista do futebol, um verdadeiro camisa 10” – Michel Platini.“Totti, o rei de Roma. É e continuará a ser o melhor jogador que vi em toda a minha vida” – Diego Maradona.“Totti é a coisa mais próxima de Deus que existe num campo de futebol” – John Arne Riise, jogador norueguês que jogou com Totti de 2008 até 2011 na Roma.“Jogadores como Totti e Maldini entendem que o dinheiro é importante no futebol, mas que existem coisas mais importantes como os valores e o amor ao clube” – Pep Guardiola.“Gastei muito dinheiro na minha vida para construir uma equipe poderosa no Real Madrid. No entanto, meu desejo sempre foi fechar com o capitão da Roma, Francesco Totti. Lamentavelmente, não consegui” – Florentino Pérez, presidente do Real Madrid.“A camisa mais valiosa que troquei foi a do Totti. É meu ídolo” – Luka Modric, jogador croata.“Totti é um jogador que não se pode pôr em discussão. É um amigo que, em campo, se esquecia da nossa amizade e fazia gols em mim!” – Gianluigi Buffon.“Me recordo dos momentos que vivemos juntos, da honra de termos sido rivais e capitães de nossas equipes. Ele sabe que tenho muita estima por ele e, sobretudo, respeito” – Alessandro Del Piero.“Francesco Totti é impressionante, um exemplo para todos. Ele demonstra que a idade não é importante no futebol: o que importa é se sentir bem. Jogar ao nível em que ele o faz é bom para ele, para o futebol e para as crianças, uma vez que lhes mostra que o futebol não tem limites” – Cristiano Ronaldo.
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