Entre a suspensão e o reinício do campeonato passaram-se 87 dias, durante os quais as coisas que tornam nosso o nosso futebol foram oportunamente substituídas pela narrativa do bem maior. Nestes três meses foram todos adultos e singularmente responsáveis, até que a Liga recomeçou e voltaram de seguida os tiques, os truques, a propaganda e as acusações de Benfica e de FC Porto.
Como já nos acostumámos a isto, é fácil identificar os três objetivos desta estratégia que eles dizem ser comunicacional: tentar condicionar as arbitragens, manipular a opinião pública e esconder o facto de que jogam mal à bola. Aliás, jogam muito mal à bola, e os novos argumentos em defesa deles — a falta de público e a paragem alargada — são irrelevantes para o caso. Basicamente, FC Porto e Benfica são os piores candidatos da história da Liga desde que esta voltou a ter 18 equipas e 34 jornadas, em 2014-15. Os dados são da GoalPoint e não são simpáticos.
Os golos
Comecemos pelo essencial: FC Porto e Benfica têm uma média de golos marcados de 2,04 e 2,08 por jogo, bastante abaixo de 2018-19 (2,17 e 3,02) e aquém de 2017-18 (2,4 e 2,35) ou 2016-17 (2,08 e 2,11). Mas os dois rivais não só marcam pouco como marcam pouco em jogadas de bola corrida: apenas 1,08 (FC Porto) e 1,35 (Benfica) dos golos foram concretizados assim (uma descida de 27% relativamente à média de ambos nos últimos cinco anos); o Vitória de Guimarães, o Famalicão e o Braga contabilizam mais remates certeiros no seguimento de jogadas coletivas do que a equipa de Sérgio Conceição. O FC Porto e o Benfica nunca marcaram tão poucos golos em remates de fora da área — já agora, os encarnados fizeram um —, o que, combinando as médias de ambos (0,12 e 0,04), resulta numa queda de 74% comparativamente às últimas cinco épocas. Uma carreira de tiro aparentemente desgovernada.
Os remates
Adiante, que os números a denunciar a falta de qualidade prosseguem com o segmento ‘remates executados em bola corrida’; outra vez, FC Porto e Benfica, juntos, estão a 14% do que fizeram nas últimas cinco épocas. Por outro lado, os dois clubes nunca tiveram tantas grandes penalidades assinaladas a seu favor (uma subida de 41% no período analisado), mas a taxa de concretização é deprimente, pois o Benfica acertou 50% das vezes na baliza e o FC Porto 62,5%.
Obviamente, os adversários destes dois candidatos também entram em equação, e equipas como Sporting, Braga, Famalicão, Vitória de Guimarães, Rio Ave e Famalicão têm encurtado distâncias e encontrado armas para os bloquear e contrariar. Mas face à diferença de orçamentos — Benfica e FC Porto gastaram sensivelmente o mesmo (63 milhões de euros) em contratações para 2019-20 — e de estruturas e de escolhas no plantel, o mais natural é ver os dois rivais a arranjar soluções para ultrapassar quem apanhem pela frente.
Têm-no feito, é verdade, porque estão à frente do campeonato e porque o 3º classificado, o Braga, está a 17 pontos do FC Porto e a 15 do Benfica, embora o caminho encontrado seja sempre a direito. O que no futebol nem sempre é aconselhável, sobretudo do ponto de vista estético.
Se para desmontar defesas o mais aconselhado é virar o centro do jogo para baralhar marcações individuais e coletivas, então FC Porto e Benfica têm feito um trabalho particularmente mau: em média, há apenas 5,2 (portistas) e 5,0 (benfiquistas) ações destas por cada jogo (menos 23% do que as registadas nos últimos cinco anos). Perante equipas que defendem com 90% dos jogadores atrás da linha da bola, FC Porto e Benfica têm optado por diversificar pouco o estilo, arriscando menos passes entre os lados esquerdo e direito; escolhem antes o jogo vertical, mais direto e previsível, e por isso aborrecido e pior.
Acresce a isto uma evidente falta de controlo, já que FC Porto e Benfica estão inusitadamente relaxados perante as equipas que defrontam: permitiram mais 17% de jogadas de bola corrida aos opositores do que nas cinco anteriores temporadas. Os portistas sofreram 379 ações deste género e os benfiquistas 442.
Caso a caso
Há outros indicadores que sugerem a perda qualitativa de FC Porto e Benfica nos últimos anos. O Benfica remata pior (apenas cinco remates enquadrados por jogo, menos 20% do que nas últimas cinco épocas); cruza mais (mais 16,8%), mas também cruza pior (menos 13%), perde muitas bolas quando quer sair a jogar (13,86 por jogo, mais 10%) e deixa que um jogador adversário transporte livremente a bola 4,3 metros (mais 34%) antes de a chutar à baliza de Vlachodimos. Daqui se conclui que os encarnados usam menos o jogo interior e são bastante menos eficazes a responder coletivamente à perda da bola — e isso torna-os mais permeáveis em contra-ataques e menos perigosos quando tentam pressionar à frente.
No FC Porto, os parâmetros são estes: os seus jogadores passam menos e passam pior quando estão perto da área contrária (menos 14% do que nos anos anteriores, falhando 33% das vezes) e perdem a bola 15,4 vezes em média na primeira fase de construção (mais 33%). Um em cada cinco remates são cabeceamentos em bolas paradas, a especialidade da casa, visto que 31% dos golos esta época nasceram após livres indiretos ou cantos. O melhor marcador (10 golos) e segundo melhor assistente (9) acaba por ser o melhor jogador do FC Porto — é o defesa Alex Telles. Aparentemente, FC Porto e Benfica ganham mais do que perdem não porque jogam melhor, mas simplesmente porque têm melhores jogadores, globalmente. Nem sempre uma coisa quer dizer a outra.
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