Por Leandro Stein
Pela quarta vez nas últimas quatro temporadas, Atlético de Madrid e Real Madrid se cruzam nas fases decisivas da Liga dos Campeões. A cada confronto, os vizinhos escrevem capítulos históricos da rivalidade. E a balança tem pendido totalmente aos merengues, campeões em duas decisões emocionantes contra os colchoneros, além de se classificarem nas quartas de final de 2014/15. O novo duelo vale não apenas como uma revanche, mas também como a oportunidade de oferecer um honroso final ao Vicente Calderón, onde acontece a partida de volta. Será o último clássico (e o penúltimo jogo) dos rojiblancos em seu estádio, antes da mudança para a nova casa. Podem superar a traumática derrota no primeiro turno do Campeonato Espanhol, que fecharia a história do dérbi no local de maneira dolorosa.
Os encontros pelas competições europeias, porém, também remetem a outros tempos de Real Madrid e Atlético. Além das três batalhas recentes, há outra guardada em imagens em preto e branco. Mas não menos importante: em 1958/59, os dois clubes madrilenos disputaram sua primeira semifinal de Copa dos Campeões. Os merengues eram força hegemônica no continente, buscando o tetra no torneio, e tinham faturado o bicampeonato de La Liga na temporada anterior. Assim, como os madridistas já estavam classificados como atuais campeões da Champions, a vaga espanhola caiu no colo dos colchoneros, após o vice no torneio nacional.
Como era de se esperar, o Real Madrid não tomou conhecimento de seus adversários nas fases anteriores. Até sofreu dois empates, mas nada que atrapalhasse sua caminhada. Bateu o Besiktas nas oitavas, além de atropelar o Wiener nas quartas, com direito a uma goleada por 7 a 1 e quatro gols de Alfredo Di Stéfano. O Atleti, por sua vez, enfrentou um pouco mais de dificuldades, embora também tenha registrado os seus massacres. Nas preliminares, fez 13 a 1 no agregado contra os irlandeses do Drumcondra. Precisaram da prorrogação para superar o CSKA Sofia oitavas, enquanto buscaram um grande resultado ao se imporem sobre o Schalke 04 nas quartas. Até que as semifinais guardassem o grande clássico espanhol.
Apesar do ótimo momento do Real Madrid, o retrospecto recente do Atlético no dérbi não era de se jogar fora. A partir de 1955/56, foram três vitórias para cada lado pelo Campeonato Espanhol, além de dois empates. O que deixava os colchoneros um pouco desconfiados era o primeiro resultado na própria temporada. Durante o primeiro turno de La Liga, os merengues enfiaram 5 a 0 no Bernabéu, com show de Raymond Kopa. Ao menos o reencontro no antigo Estádio Metropolitano serviu para elevar o moral do Atleti. Com gols de Vavá e Joaquín Peiró, os rojiblancos bateram os oponentes por 2 a 1.
Diante de todo o contexto, o clima para o primeiro duelo na Copa dos Campeões era efervescente. O Real Madrid tinha um timaço, especialmente pela linha de frente recheada por craques. Kopa foi desfalque no primeiro jogo, mas não fez tanta falta assim, em quinteto formado por Di Stéfano, Puskás, Rial, Mateos e Gento. Do outro lado, o Atlético podia não ser tão estrelado, mas também não deixava a desejar. Vavá era o destaque internacional, em equipe que contava com outros ídolos históricos dos colchoneros – como Joaquín Peiró, Enrique Collar, Jorge Mendonça e Alberto Callejo. Já nas arquibancadas, para engrandecer o dérbi, 120 mil pessoas lotaram o Bernabéu.
Ao fim daquela partida em 23 de abril, os merengues confiaram um pouco mais na quarta final consecutiva. Chuzo abriu o placar para o Atleti com um chutaço de fora da área, aos 13 minutos. No entanto, a reação do Real Madrid foi praticamente instantânea, contando com a colaboração do goleiro Manuel Pazos. Aos 15, viria o empate em cabeçada no canto de Rial. Já aos 33, a virada se consumou em um pênalti cobrado por Puskás. O arqueiro rojiblanco chegou a ter a bola nas mãos, mas acabou aceitando. Todavia, não foi fácil segurar a vantagem. O goleiro Rogelio Domínguez realizou boas defesas, parando inclusive uma penalidade de Vavá. Além disso, Juan Santisteban se lesionou e, sem poder realizar substituições, o madridista fez apenas figuração em campo durante o segundo tempo.
No reencontro no Estádio Metropolitano, duas semanas depois, boa parte dos 50 mil presentes esperavam a virada do Atlético. E o técnico Luis Carniglia foi cauteloso com o Real Madrid, deixando Puskás no banco para apostar em um time mais físico, além de recuar Di Stéfano ao meio. Com o craque se desdobrando na marcação, os visitantes pouco assustaram, embora faltasse também impeto aos anfitriões. Ainda assim, o Atleti venceu por 1 a 0. O gol saiu aos 43 minutos da primeira etapa, com Collar protagonizando boa jogada individual, antes de tocar na saída do goleiro Domínguez. No final da segunda etapa, Kopa carimbou o travessão, em tento que daria a classificação aos blancos. Conforme o regulamento da época, não havia vantagem aos colchoneros pelo gol fora de casa. Ambos teriam que fazer um jogo extra, em campo neutro, valendo a vaga na decisão.
O estádio de La Romareda, casa do Zaragoza, foi o palco escolhido. E o público não decepcionou, abarrotando as arquibancadas. No fim das contas, pesou o talento do Real Madrid para assegurar o novo triunfo por 2 a 1. O primeiro tempo foi bastante intenso, com o Atlético apostando em sua velocidade para surpreender os rivais. Di Stéfano aproveitou o cruzamento de Mateos para inaugurar o marcador aos 16 minutos, enquanto Peiró preparou o tento de empate, anotado por Collar. Pouco antes do intervalo, Puskás assinalou a classificação, fuzilando após passe de Kopa. Já o segundo tempo apresentou um passeio dos merengues, que contaram com o cansaço dos adversários, mas perderam excelentes chances de ampliar a diferença. Os então tricampeões continentais ratificavam a esperada superioridade, rumando à decisão em Stuttgart. Já os derrotados caíam em pé, dando mais trabalho do que qualquer outro adversário no caminho do esquadrão desde 1955/56.
A supremacia do Real Madrid se manteve em reencontro com o Stade de Reims na final. Assim como acontecera três anos antes, os madridistas saíram vitoriosos diante do rival francês, desta vez com a vitória por 2 a 0 – gols de Mateos e Di Stéfano. Já o Atlético de Madrid precisou esperar oito anos para voltar à Copa dos Campeões, mas desfrutou de glórias continentais paralelamente. Em 1961/62, conquistaram a segunda edição da Recopa Europeia, batendo a Fiorentina na decisão – e com alguns remanescentes da queda de 1959, incluindo Peiró, Collar e Mendonça. Se vale para alguma superstição, os colchoneros também deixaram o Leicester pelo caminho naquela campanha. Dificuldade maior será quebrar a escrita diante dos merengues.
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