“Que merda que a Copa não comece daqui a três dias.” A comemoração de Tite, ao alcançar o recorde de João Saldanha. O Brasil sofreu contra o Peru, mas conquistou a sexta vitória consecutiva em seis partidas do novo técnico. A Seleção virou um time e se livrou da ‘Neymardependência’…
Foram os piores 45 minutos de Tite na Seleção. Time preso, inseguro, perdido. Não esperava um adversário tão ousado, atrevido, tão agressivo. Sem respeito. Tomou bola na trave, um sufoco. Sofreu com Cueva e Guerrero. Mas no segundo tempo, o técnico fez uma mudança tática providencial, prendeu Paulinho e soltou Renato Augusto. E o talento individual de Gabriel Jesus decidiu.
O menino jogou como se tivesse 29 e não apenas 19 anos. Ele roubou o protagonismo de Neymar, anulado pelos peruanos. Gabriel Jesu marcou e ainda deu linda assistência para Renato Augusto. E o Brasil conseguiu marcante vitória diante do Peru, em Lima. A sexta seguida com Adenor, igualando recorde de João Saldanha em 1969.
Nestes primeiros jogos das 'feras de Tite' foram 17 gols a favor e um contra.
Basta, na prática, um ponto para o Brasil carimbar a ida para a Copa da Rússia.
"O Peru jogou com muita confiança (havia vencido o Paraguai por 4 a 1). A seleção (de Gareca) veio arrojada, agressiva. No segundo tempo eles estavam muito fortes, e iam acabar caindo. E os jogadores móveis iam aparecer. Marcavam muito o Neymar. Apareceram Coutinho, Renato, Daniel. A equipe começa a ter alternativas. Se o principal jogador está muito marcado, aguarda para participar depois.
"No início do jogo, fiquei preocupado. Foi acelerado, e o Peru teve a primeira chance de gol. No primeiro tempo foi igual, no segundo tempo, fomos superiores. O Peru teve confiança, tinha muita energia do torcedor, foi um espetáculo.
"O time está preparado a ter um nível de concentração altíssimo. E se não respeitássemos o Peru, eles iriam atropelar. Ela poderia sair de um resultado com a grandeza da vitória com a Argentina, e poderia baixar a guarda. Mas falamos que não. A gente sabia do Cueva, do Guerrero, das opções pelo lado, do chute de média distância. Tínhamos conhecimento das virtudes, e sabíamos respeitar o outro lado, a não ter soberba, que é o primeiro passo para se perder.
"Sim, gostaria que a Copa começasse em três dias. Que merda que parou. Queria dar sequência. Isso é ruim, profissionalmente. É aquele reinventar, estava ajustando as coisas, e interrompe, tenho que me virar com essa história toda..."
As palavras, e até o palavrão, de Tite resumem o excelente momento da Seleção Brasileira. A reviravolta com a chegada do novo treinador. A sexta vitória consecutiva, hoje, em Lima foi importantíssima. Em vários aspectos. O maior deles, o poder de reação quando tudo está dando errado.
O Brasil vinha de uma vitória marcante, fundamental. Goleada por 3 a 0 contra a Argentina de Lionel Messi. Em pleno Mineirão, o palco do 7 a 1. Era mais do que natural que o time relaxasse. Tivesse gasto toda a sua adrenalina há seis dias. E entrasse descontraído, sem tanta concentração diante de um adversário muito mais fraco, sem tradição. E que sofre demais nas Eliminatórias Sul-Americanas.
O Peru, mesmo em Lima, não impunha medo.
No Brasil havia uma mudança significativa. A ausência de Marcelo. O lateral esquerdo se tornou peça fundamental do time. Mais experiente, ele aprendeu usar todo seu talento ofensivo. E também a marcar forte. Favorecido pelo esquema predileto de Tite, o 4-1-4-1. Capaz de proteger o lado esquerdo com Neymar, Fernandinho, Renato Augusto. Suspenso, jogou Filipe Luís, especialista na marcação, mas com dificuldade nata para atacar. Ou seja, o setor ofensivo canhoto brasileiro estava desfalcado. Neymar não teria seu parceiro ideal.
O que seria ótimo aos peruanos.
O argentino Gareca virou especialista em futebol brasileiro, depois de sua triste passagem pelo Palmeiras. O técnico tinha certeza do relaxamento brasileiro, até inconsciente, depois de vencer os argentinos. E precisava dos três pontos do jogo. E muito mais. A confiança que viria em derrotar o 'renascido' Brasil de Tite, o líder das Eliminatórias. E tratou de trabalhar taticamente e psicologicamente acreditando na vitória consagradora. O 'si, se puede' saiu do vestiário e chegou até a imprensa e torcidas peruanas, depois do 4 a 1 contra o Paraguai. Esta a explicação para o sufoco que o Brasil tomou no primeiro tempo.
O Peru atuou com coragem beirando a irresponsabilidade. Coordenado, marcou a saída de bola da Seleção. Atuou em bloco, com Cueva sendo o grande coordenador das ações ofensivas. Os volantes brasileiros já estavam avisados, orientados para cuidarem do são paulino. Logo aos três minutos, Renato Augusto se precipitou. E fez uma falta violenta, por trás, no meia. Tomou o justo cartão amarelo. E, instintivamente, passou a entrar com mais cuidado para não tomar o vermelho. O peruano percebeu e se aproveitou, forçando as jogadas pelo setor de Renato Augusto, o esquerdo.
Foi assim que, aos sete minutos, tabelou e deixou Carrillo cara a cara com Alisson. O chute cruzado acertou a trave. O Brasil errava ao aceitar o ritmo veloz, apostava corrida com os peruanos. Depois de 20 minutos de pressão, Tite repetiu o que fez contra a Argentina. Mandou Paulinho para a esquerda e Renato Augusto para a direita, bem longe de Cueva.
O Brasil melhorou. Mas os peruanos seguiam melhor. Neymar estava muito bem marcado, encaixotado. Começava a sobrar espaço para Philippe Coutinho e Gabriel Jesus. O miolo da zaga é o calcanhar de Aquiles do time de Gareca. Daniel Alves passou a se soltar mais. Fernandinho cresceu na marcação, atuando como um terceiro zagueiro, como um 'cão de guarda' de Marquinhos e Miranda, que não estavam tão bem.
No segundo tempo, o time brasileiro volta com outra postura. Mais compenetrado, mais firme no jogo. Com a marcação alta, corajosa. Hora de surpreender os donos da casa. Philippe Coutinho mais decisivo do que Neymar, bem marcado, e sem a normal inspiração. O meia do Liverpool foi o responsável pela coordenação ofensiva. Caindo pela direita e, também pela esquerda, que adora. E aos 12 minutos, a ousadia se concretizaria. Coutinho foi chutar na entrada da área e acabou travado. A bola bateu na zaga peruana e procurou Gabriel Jesus.
O atacante palmeirense viu Gallese correr, desesperado, para o canto direito. E com a frieza dos grandes jogadores, o menino talentoso chutou no esquerdo, no contrapé do goleiro. Parecia pênalti. Brasil 1 a 0.
A partir daí, ruiu a confiança peruana. E cresceu ainda mais a brasileira. O time de Gareca precisava ao menos empatar. E se abriu depois do gol. Perdeu sua organização, sua consistência tática. Aos 30 minutos, Neymar faz sua melhor jogada na partida e, chutando de fora da área, acertou o travessão. Em seguida, Guerrero dá certeira cabeçada e obriga Alisson a grande defesa.
Mas dois minutos depois,aos 33 minutos, viria o definitivo banho de água fria.
Proporcionado por Gabriel Jesus.
Outra vez a zaga peruana falha ao tentar cortar uma bola na área. Ela sobra para Gabriel Jesus. O garoto corta da esquerda para a direita. Poderia chutar. Mas levantou a cabeça e preferiu dar a assistência perfeita para Renato Augusto, livre na direita. Ele domina a bola e chuta com precisão, sem chance para Galesse. 2 a 0, Brasil. Sua reação após o gol? Apontar para o palmeirense, agradecendo o presente que recebeu.
"Bem sincero, não imaginava (sucesso tão cedo na Seleção). Sei que trabalhando firme as coisas vão fluir, vou ter oportunidades. É trabalhar e esquecer o extracampo, focar no jogo sempre. Venho trabalhando calado, quieto, querendo ajudar meus companheiros e o Brasil. Em se tratando de Brasil, tem muito jogador de qualidade para vestir a 9, fico orgulhoso de ter essa oportunidade de vestir essa camisa consagrada", comemorava Gabriel Jesus.
A Seleção conquistava a sexta vitória consecutiva. No sexto jogo sob o comando de Tite. Recorde de 1969, que levou 47 anos para ser igualado. Foram só jogos oficiais. Valendo pontos. E dos 18 disputados, o Brasil conquistou todos. Nem parece os mesmos jogadores que estavam nas mãos de Dunga.
Virou um time de verdade.
A equipe passou de presença incerta a garantida na Copa da Rússia.
O técnico mostrou como a tática transformou uma geração mediana, que tinha apenas uma estrela, Neymar. E recuperou o respeito internacional. Mais do que isso, o respeito interno, dos brasileiros.
Adenor tem razão.
É uma pena que a Copa não comece em três dias.
Dói saber que este foi o último jogo da Seleção de Tite em 2016.
Anima ter a consciência que o Brasil retomou seu caminho.
É possível pensar no futuro sem medo.
A Seleção tem um técnico de verdade.
Uma filosofia moderna e séria de jogo.
Acabou a 'Neymardependência'.
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