quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Messi, Einstein e o pensamento divergente

Resultado de imagem para flag argentina

Messi e Einstein

Lionel Messi e Albert Einstein possuem muita coisa em comum. E talvez seja possível dizer que as suas genialidades se devem a uma característica específica: a de seguir encarando o mundo com os olhos, a criatividade e a paixão de um menino

Era um dos dias mais quentes que se pode recordar em Berlim. Dentro de poucas horas o Barcelona iria jogar a final da Liga dos Campeões de 2015, e uma das emissoras de rádio que se locomoveram até a capital alemã buscava vozes locais para falar ao vivo sobre tudo o que rodeava a partida decisiva. E o que mais se via por ali eram jornalistas eufóricos, incapazes de parar de exaltar as excepcionais qualidades de Lionel Messi.
Eu também estava naquele ambiente e, quando chegou a minha vez, fizeram a seguinte pergunta: “Para a ciência, qual é o segredo de Messi?”. A resposta poderia ter sido a versão do neurocientista Facundo Manes, que explica por que aspectos da mente – como motivação, concentração, autocontrole e capacidade de observação – são tão ou mais importantes do que a forma física, especialmente para casos de esportistas de elite. Porém, por mais que existam inúmeros profissionais que se ofereçam para estudar o cérebro do camisa 10 do Barça, ainda não houve nenhum que conseguiu. Só seria possível, então, referir-se a estudos indiretos.
No final das contas, respondi que “o segredo de Messi pode ter ligação com as suas capacidades cognitivas, a tomada de decisões e a criatividade”. Parece algo óbvio, mas os jornalistas que organizavam a entrevista arregalaram os olhos quase em estado de choque quando tentei explicar quão fascinante poderia ser estudar o seu cérebro com instrumentos de “fMRI” ou “PET”, que são técnicas utilizadas com o auxílio de neuroimagens para identificar reações do fluxo sanguíneo às atividades dos neurônios cerebrais.
Assim, não pude fazer outra coisa senão traçar paralelos com Albert Einstein e o seu cérebro roubado. Nesta história, iniciada em março de 1954, ele recebia um papagaio como presente de aniversário. Ainda que o próprio Einstein estivesse começando a sofrer com graves problemas de saúde, ele parecia estar mais preocupado com o estado de saúde do pássaro, traumatizado pela longa viagem até os Estados Unidos, do que consigo mesmo. De modo que Einstein passou a conversar diariamente com o seu novo companheiro, contando-lhe piadas e construindo ali uma amizade especial.
Não demorou muito tempo para o papagaio se recuperar – provavelmente graças a algumas injeções, é claro, e não pelas piadas. Mas poucos meses depois desta recuperação, mais precisamente em 18 de abril de 1955, Einstein morreu. Apenas algumas horas precisaram se passar para que ele virasse objeto de análise do patologista Thomas Stoltz Harvey, que, sem informar a ninguém, extraiu o cérebro do gênio para fotografá-lo, cortá-lo em lâminas finas e armazená-lo em formol.
No dia seguinte, um menino da escola de Princeton, em Nova Jérsei, costa leste dos Estados Unidos, dizia orgulhoso aos seus colegas: “O meu pai tem o cérebro do Einstein”. E ele não mentia. Harvey teve por mais de quatro décadas em seu poder o cérebro daquele que talvez seja o homem mais inteligente que já existiu, até aceitar a ideia que outros cientistas também pudessem estudá-lo.
Uma das pessoas felizardas foi a neurocientista Marian Diamond, que recebeu mostras do órgão em potes de maionese (!!!). Nele, encontrou uma porcentagem maior de células gliais – aquelas que desempenham uma função diretamente ligada ao sistema nervoso – em relação aos neurônios da região de seu lóbulo parietal – que concentra as sensações de um ser humano, como dor, frio, calor e por aí vai. Com tal descoberta, Diamond fez a felicidade de muitos: a genialidade dos indivíduos talvez tivesse uma significativa base biológica, podendo, assim, ser diagnosticada com o auxílio de um microscópio.
Estudos posteriores do tesouro roubado ou de suas fotografias revelavam outras características pouco notadas. As mais interessantes delas eram que não se tratava de um cérebro totalmente esférico – ou seja, o seu volume era superior ao da média – e os lóbulos parietais apresentavam certas peculiaridades. Muitos cientistas, porém, duvidam destes estudos, já que eles não pareciam ser contundentes o bastante. E mais: as possíveis peculiaridades do cérebro de Einstein, ao invés de ser a causa de sua genialidade, não poderiam ser uma consequência dela?
Há visões menos complexas para tantos questionamentos. Michio Kaku, autor de “O cosmo de Einstein”, acredita que às vezes existem perguntas que apenas as crianças são capazes de formular. “Que aspecto teria a luz se pudéssemos correr ao seu lado?”, por exemplo, é uma delas. E o adulto Einstein, diferentemente de quase todos os seus companheiros de faixa etária, era capaz de elaborá-las.
Walter Isaacson, escritor da obra “Einstein: sua vida, seu universo”, uma das mais recentes biografias sobre o gênio alemão, também pensa assim: se alguém quiser descobrir o segredo de Einstein, provavelmente a fonte mais genuína sejam as palavras dele próprio. “Quando era questionado sobre o que o tornava diferente dos outros físicos, ele sempre respondia que não tinha talentos especiais, apenas era alguém apaixonadamente curioso. Um adulto comum não se permite pensar sobre o espaço-tempo, e ele, devido ao fato de seu amadurecimento ter sido mais lento, só começou a se fazer essas perguntas de criança quando já estava crescido”.
Em outras palavras, segundo Einstein, o motivo para o seu êxito era o privilégio de seus pensamentos estarem voltados para dilemas infantis ao mesmo tempo em que seu corpo já possuía a autonomia digna de um adulto. Depois de anos tentando solucionar os mistérios que apareciam, o resultado natural era a alteração de todas as ditas verdades absolutas que o rodeavam. E é justamente nesta genialidade de Einstein – uma vez assumida que a sua existência é fruto não de suas habilidades matemáticas, mas de sua criatividade – em que reside o ponto exato de encontro entre a história do gênio alemão da física e a do gênio argentino do futebol.
Messi avança a velocidades vertiginosas com a bola milimetricamente colada aos seus pés, sempre em direção à meta adversária, enquanto um, dois, três ou mais defensores tentam desarmá-lo – e quase sempre sem o menor resquício de sucesso. Mas o que é que o diferencia, afinal, do resto dos jogadores, tornando-o artista de coisas extraordinárias em um campo de futebol? Qual é o elemento que o faz ser capaz, por exemplo, de definir em décimos de segundos se a melhor opção para a jogada em curso é um chute, um passe ou um drible?
Nesta esfera de incertezas, há um caminho que desponta como confiável para quantificar os resultados em testes de criatividade: o pensamento divergente – um tipo de pensamento que, o oposto do convergente, é baseado na busca de múltiplas possibilidades para um mesmo problema, concentrando-se em analisá-lo das formas mais criativas possíveis, até praticamente esgotá-lo.
O grande problema é a costumeira diminuição de sua força com o passar do tempo. Segundo Ken Robinson, um especialista mundial quando o assunto é criatividade, essa refração deve-se especialmente ao sistema educativo reinante. Ou seja: as crianças possuem um potencial criativo gigantesco, mas as estruturas educacionais do mundo contemporâneo, cheias de fórmulas prontas, regras e imposições, tratam de dizimá-lo.
Benay Dara-Abrams, vizinha de Einstein durante a sua época em Princeton, explica como eram as visitas do físico à sua casa para brincar. Embora ela ainda fosse uma jovem menina, e portanto desconhecesse quase por completo a fama do cientista, aquelas experiências acabaram por marcar a sua vida. “O tio Al (assim o chamava) nunca dizia que uma resposta era certa ou errada. Para ele, tudo era experimento”, diz. Enquanto ele participativa de suas brincadeiras, Dara-Abrams era capaz de se concentrar totalmente durante longos períodos de tempo e, ao contrário do que acontecia quando tentava resolver um problema de forma frontal, ainda encontrava soluções criativas para todas as suas atividades.
Como já é de amplo conhecimento, ainda que de maneira distinta, as dificuldades enfrentadas por Einstein em sua fase de crescimento também foram enfrentadas por Messi. Ao observar as características de suas risadas, os seus jeitos de falar, o modo como desfrutam ou desfrutavam da companhia de outras crianças e como se destacam ou se destacavam em seus respectivos campos de atuação, as semelhanças não só se tornam ainda mais notáveis, como também fazem com que os nossos cérebros ordinários tentem interpretar os seus cérebros geniais. E, nesta missão, dizer que as suas genialidades se devem a uma capacidade quase revolucionária de seguir encarando o mundo com os olhos, a criatividade e a paixão de um menino parece ser um bom começo.
Guillermo Orts-Gil é cientista e escritor do Huffington Post.

Nenhum comentário:

Postar um comentário