terça-feira, 22 de novembro de 2016

A irresistível atração dos grandes clubes brasileiros pelo rebaixamento



por Emerson Gonçalves

Com a derrota de ontem para o Corinthians por 1x0, o Internacional não mais depende de si próprio para permanecer na Série A em 2017: precisa de resultados negativos de Vitória ou Sport, além, é claro, de vencer seus dois últimos jogos: Cruzeiro em casa e Fluminense no Rio de Janeiro. Tarefa difícil, mas não impossível, já que o Cruzeiro não mais corre risco de rebaixamento – graças à derrota do Inter – mas, por outro lado, o Fluminense provavelmente ainda estará disputando a sexta ou, eventualmente, sétima colocação no Brasileiro, o que lhe daria o direito de disputar a Copa Libertadores.
Matéria do portal GloboEsporte hoje aponta em 90% o risco de queda do Internacional, o que resume bem a situação.
Outro grande clube brasileiro, além do Cruzeiro, ficou tranquilo a partir do final do jogo de ontem: o São Paulo.

Cruzeiro, Internacional e São Paulo são donos de algumas das maiores receitas entre os clubes brasileiros e, também, donos de três das maiores folhas de pagamento de nosso futebol.
Mesmo assim, flertaram com muito afinco e charme com a fatídica Z4 da tabela, a Zona de pontuação que leva à Série B.

Enquanto isso, outro dos grandes brasileiros luta para retornar à Série A: o Vasco da Gama. Segundo o matemático Tristão Garcia, ouvido pelo GloboEsporte.com, as chances do Vasco voltar à Série A em 2017 são de 73%.
Uma situação bem menos desconfortável que a do Internacional. O Vasco depende dele mesmo: uma vitória contra o Ceará garante o retorno. Em caso de empate ou derrota dependerá do resultado do jogo do Náutico contra o Oeste.

Vejam o quadro abaixo, que traz os clubes rebaixados da Série A para a Série B desde o campeonato de 2002, o último antes da introdução dos pontos corridos. O quadro mostra, também, os clubes que terminaram cada campeonato na última posição antes do rebaixamento.




Reparem que em apenas 2 campeonatos – 2003 e 2010 – não tivemos nenhum dos “12” entre os rebaixados ou na 16ª posição (a partir de 2005), a última antes do rebaixamento, mas com dois desses grandes disputando a Série B durante 2003.

Se olharmos os diversos estudos sobre as receitas dos clubes e sobre seus gastos com o futebol, muitos deles disponíveis neste OCE, todos os anos, veremos que esses 12 clubes ganham muito e gastam muito. Diz a mais elementar lógica que deveriam, no mínimo, permanecer na mesma divisão.
É o que vemos mundo afora, embora só valha mesmo a pena atentarmos para os grandes países do futebol europeu. Por exemplo, na disputa da Premier League (a partir de 1992), somente 6 clubes nunca foram rebaixados: Arsenal, Chelsea, Everton, Liverpool, Manchester United e Tottenham Hotspur.
O atento e bem informado leitor vai notar que o poderoso Manchester City não está nessa lista. Pois é, mas o detalhe é que o City era bem pequeno e distante do faturamento dos tradicionais United, Arsenal e Liverpool, principalmente, antes da chegada dos petrodólares em abundância assustadora.
Vamos encontrar situações semelhantes pelas outras ligas, lembrando que o rebaixamento da Vecchia Signora, a Juventus, ocorreu como punição da justiça pelo envolvimento na manipulação de resultados em 2005/2006. O Borussia Dortmund foi rebaixado em 1972, assim como United, Chelsea, Arsenal e Liverpool foram rebaixados muito antes da criação da Premier League.
Dos atuais protagonistas do futebol europeu, fora a Juve, o Atlético de Madrid foi rebaixado na temporada 1999/2000 e depois dele mais ninguém.
Os grandes clubes, os grandes protagonistas do futebol, têm lá suas péssimas temporadas, mas não são rebaixados. Mesmo com eventuais falhas de gestão ou com más escolhas de profissionais, principalmente treinadores, eles ainda conseguem jogar o suficiente para permanecer em suas divisões.

Por que, então, nossos protagonistas caem tanto?
Se olharmos para nossos vizinhos argentinos, somente dois grandes foram rebaixados nos últimos 16 anos: River Plate e Independiente.
E já que falei em Argentina, repito a pergunta sobre os nossos 12 grandes:

¿Qué pasa con nuestros grandes equipos? 

“Alguns dirão que os rebaixamentos e péssimas posições desses times ocorrem devido à competitividade do campeonato, quando, na verdade é o nivelamento por baixo das gestões que o torna tão heterogêneo em termos de desempenho.
Se todos fossem bem administrados, Flamengo, Corinthians, São Paulo e Palmeiras deveriam brigar até o fim pelas 4 primeiras posições, pela diferença financeira. Caberia aos demais a necessidade de trabalhos bem feitos, esportivamente falando, para se intrometer nessa turma. Da mesma forma que nenhum desses quatro poderia terminar abaixo da 6ª ou 7ª colocação, nenhum dos outros oito times poderia terminar o campeonato rebaixado ou nas duas ou três últimas posições.
Ocorre que o nivelamento por baixo das gestões faz com que times como São Paulo e Corinthians apresentem equipes tão ruins, atrasos de salários, escolhas equivocadas de treinadores, levando a desempenhos que oscilam tremendamente – de campeões a rebaixados ou perto disso.
A graça do campeonato mais disputado do mundo é justamente resultado do que falta ao país e não apenas ao futebol: planejamento, capacidade técnica, organização, profissionalismo.”

O autor das declarações acima é o economista Cesar Grafietti, do Banco Itaú BBA, responsável pelos estudos anuais que vocês já conhecem: “Análise Econômico-Financeira dos Clubes Brasileiros de Futebol”.

O Cesar foi elegante ao referir-se às gestões de nossos clubes que, na verdade, são péssimas, tendo ainda o agravante de que quase todos os bons resultados esportivos que elas conseguem acabam por afundar os clubes ainda mais em dívidas assustadoras.
O quadro a seguir é muito didático e faz parte do estudo desse ano elaborado pelo Cesar Grafietti:

Vejam as enormes diferenças entre os 15 maiores clubes, divididos em grupos de cinco.
A diferença do primeiro grupo para o segundo é de 46,6%.
Em relação ao terceiro ela é 156,6% maior.
Em relação ao quarto grupo, com 12 clubes, essa diferença é 221,5% maior.
Reparem que um dos membros desse quarto grupo é o atual semifinalista da Copa Sul-Americana e 9º colocado no Brasileiro da Série A, a Chapecoense.
Justamente uma das poucas equipes com boa gestão. Logo atrás dela no Brasileiro está a Ponte Preta, também no 4º grupo de receitas.


Se as receitas dos 12 maiores clubes são grandes, seus gastos com futebol não ficam atrás, como podemos ver na tabela a seguir, que faz parte do estudo “Finanças dos Clubes Brasileiros em 2015”, elaborado pelo especialista Amir Somoggi, outro velho conhecido dos leitores deste OCE:

Reparem que os dois maiores gastadores no futebol em 2015 estão na popular rabeira do campeonato e flertaram por longo tempo com a Série B: Cruzeiro e São Paulo. O quinto maior gastador foi o Internacional.
No acumulado de 3 temporadas – 2013, 2014 e 2015 – os valores explodem:
- São Paulo: R$ 757,2 milhões
- Cruzeiro: R$ 657,4 milhões
- Internacional: R$ 619,7 milhões

Comparem, agora, com o que gastou essa turma:
- Palmeiras: R$ 582,2 milhões
- Santos: R$ 504,9 milhões
- Atlético Mineiro: R$ 502,5 milhões
- Flamengo: R$ 496,9 milhões

O segundo maior gastador do período foi o Corinthians - R$ 737,0 milhões – e o Grêmio, finalista da Copa do Brasil ao lado do Atlético Mineiro, que gastou R$ 503,5 milhões, foi o sétimo.


Se formos pensar em eficiência e conquistas por real gasto (não dá para falar “investido”), a situação do São Paulo é tenebrosa: três quartos de bilhão por uma disputa de semifinal de Copa Libertadores e nada mais, vindo a “namorar” o rebaixamento na sequência.

Nas últimas três temporadas antes dessa, São Paulo, Cruzeiro e Internacional gastaram 2 bilhões de reais no futebol.
Repetindo: R$ 2 Bilhões.
O número exato é um pouquinho maior: R$ 2.034,4 milhões ou R$ 2,034 bilhões.
Depois de 2 bilhões de reais gastos, os três times lutaram para fugir do rebaixamento, luta que ainda não terminou para o Internacional.

Para finalizar, recoloco a pergunta que abriu esse bloco:
¿Qué pasa con nuestros grandes equipos? 

E deixo a resposta com o Cesar Grafietti:
“Ver qualquer um desses 12 times na série B é quase um absurdo, dada a enorme diferença financeira deles para os demais. Joga ainda mais luz na incompetência financeira e esportiva, que pode ser traduzida como ineficiência de gestão.”

Pelo que estamos vendo, a atração pelo rebaixamento continuará irresistível por muito tempo e veremos novos "casamentos"...

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