terça-feira, 2 de maio de 2017

Dinheiro antecipado da TV anaboliza balanços de clubes, que podem esconder 'bombas-relógio'



Mauro Cezar Pereira


Mais clubes brasileiros aderiram nos balanços de 2016 ao lançamento de todo o dinheiro antecipado de luvas dos direitos de TV. É o caso do Atlético e também do Flamengo, por exemplo. Especialistas disseram ao blog que do ponto de vista contábil é legal, com o "ok" tanto do Conselho Federal de Contabilidade, quanto do Ibracon, o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, órgão que regula a atividade.
Mas há profissionais voltados às análises de balanços que alertam para a questão gerencial da contabilização integral e antecipada desses valores. Tal ação, mesmo permitida, pode esconder números que caracterizam más gestões, passando ao torcedor a ideia de que eles estão melhorando, quando na verdade trata-se de um período, um ano atípico de renegociação de direitos e aporte financeiro mais do que extraordinário.
Há quem defina tal situação como a que caracteriza a "receita não recorrente". Ela costuma ser utilizada tanto para justificar gastos, como também com o intuito de validar a "ditadura dos números", já que a imprensa em geral adora abordar cifras, tamanhos de receitas e se há superávit ou déficit. Muitas vezes ela ignora outros importantes itens que devem ser analisados no contexto econômico de cada agremiação.
Na prática é um recurso contábil que permite a dirigentes apresentar resultados positivos nas finanças de hoje porque sabem, não estarão em seus tronos no futuro. Balanços irreais inchados por dinheiro excepcional de luvas de televisão. E que se referem, na realidade, não ao ano do documento em questão, no caso 2016, mas a um período de seis temporadas, que só virá bem adiante, a partir de 2019!
ARTE
Fonte: Itaú BBA
Fonte: Itaú BBA / em azul dívidas que caíram
Obviamente as redes de TV não injetarão tantos milhões de reais assim nos cofres dos clubes em futuro próximo. E os balanços, consequentemente, não terão a mesma robustez demonstrada nesse período de vacas "televisivas" gordas. E até lá outros cartolas estarão nos cargos, nas presidências desses clubes. O problema será deles. Que se virem, então com essas "bombas-relógio". Claro, podem existir exceções. Podem...
Exemplo? Se os dirigentes do Flamengo não deixarem a política adotada desde 2013, isso não deverá ser problema para futuros presidentes. E o clube tem uma espécie de "Lei de Responsabilidade Fiscal", que inibe, dificulta a má gestão. Mas o caso rubro-negro foge da linha administrativa dos clubes brasileiros desde o primeiro mandato de Eduardo Bandeira de Mello. Não é possível ver como padrão em nosso futebol, onde a gestão tradicionalmente é perdulária, não austera, o que explica a tabela acima e as monstruosas dívidas.
Não questiono o aspecto legal, mas sim a economia momentaneamente anabolizada, com dinheiro do futuro cobrindo rombos do passado e criando um falso presente, repleto de números que não retratam a realidade econômica. Isso costuma servir como senha para mais gastança e endividamento. Se a verba antecipada é referente ao período de 2019 a 2024, tem lógica que apareça toda em 2016 ou diluída adiante, ano a ano?
Imagine um assalariado de carteira assinada e que antecipa férias e 13º em janeiro para cobrir dois terços de suas dívidas, que equivalem a três meses da própria remuneração. Num primeiro momento ele terá esse déficit equacionado, mas seguirá devendo. Contudo, poderá renegociar o restante em parcelas, administrando o caos. Caso siga com as finanças pautadas pela austeridade, quitará a dívida aos poucos e viverá mais modestamente. Mas ao reduzir o rombo, o sujeito recupera crédito e vem a tentação. Se continuar a gastando demais, o futuro será pior.
As dívidas variam a cada clube, entre bancárias, impostos e operacionais, que refletem elenco mais caro. Para 2016 especialistas esperam uma estabilização nos déficits relativos aos tributos, alguma redução no negativo com bancos, mas seguem como incógnita as operacionais. Vai depender de cada clube. Alguns podem trocar dívidas bancárias por dinheiro de Conselheiro, por exemplo, gerando uma "dança das cadeiras" que pode enganar muito analista despreparado. Ainda mais o torcedor apaixonado.
Quitando dívidas dos clubes parece razoável o lançamento imediato dessa bolada, como uma avalanche de cédulas. Mas quem fez isso na prática? E o modus operandi da cartolagem contém ações como aproveitar que haveria o Profut para atrasar mais o pagamento de tributos e incluir na renegociação. Você apostaria um salário que os dirigentes do clube de seu coraçao não vão deixar essa dívida disparar novamente? Se a resposta for sim, cuidado. Você também pode se endividar. E não terá um Profut.

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