Falta de combustível, a maior desconfiança para a tragédia no voo da Chapecoense. A triste aposta é de Carlos Camacho, um dos maiores especialistas de aviação no Brasil. “O clube não se assessorou bem para contratar o voo”…
As grandes tragédias sempre têm explicação. E a da queda do voo da Chapecoense não seria diferente. Depois do choque, do trauma, vem a análise fria do maior acidente envolvendo uma delegação esportiva da história. Nunca o mundo acompanhou tantos mortos em uma tragédia. Setenta e uma pessoas perderam a vida na queda de mais de quatro mil, setecentos e noventa e três metros.
Foi um milagre ter havido seis sobreviventes, se apressaram a dizer os mais ansiosos.
Mas não é esta a análise de Carlos Camacho, um dos maiores especialistas em aviação no país. Com cerca de quarenta anos de experiência em voos, primeiro como piloto comercial e depois como analista de segurança, Camacho tem sido a voz mais firme, a mais crítica em relação à tragédia. Houve sobreviventes porque o avião estava sem combustível, só por isso não explodiu. E por que estava sem combustível, se ele não foi despejado pela aeronave, como foi citado pela imprensa colombiana?
Na visão de Camacho, a queda só aconteceu por erros primários. E tem como alvo principal o piloto Miguel Quiroga. Ele era o responsável pela Avro RJ-85, que nasceu como British Aerospace 146, foi fabricado pela British Aerospace e tinha quatro turbinas. Tinha 17 anos. A aeronave deixou de ser fabricada em 2001. Motivo? Alto consumo de combustível.
Ela fazia parte da pequena frota da Lamia, empresa que se especializou em transportar equipes de futebol pela América do Sul. A Lamia original foi fundada em 2008 pelo empresário espanhol radicado na Venezuela, Ricardo Albacete, graças a uma cooperação entre China e Venezuela, que possibilitou a compra dos aviões. Batizada de Linha Aérea Mérida Internacional de Aviação, daí a sigla Lamia.
A empresa teve dificuldades na Venezuela e colocou os aviões para alugar no país vizinho. Uma aeronave, o modelo britânico Avro RJ85, de 17 anos, já estava em operação e havia mais três em manutenção. Ou seja, contava com apenas quatro aviões. A que levava a Chapecoense era única em funcionamento.
A Lamia cobrou 130 mil dólares, cerca de R$ 441 mil do clube brasileiro pelo voo.
Quiroga também era dono da companhia.
Camacho liga os pontos. O fato de a distância entre Santa Cruz de La Sierra e Medellin ser de 2.900 quilômetros e a capacidade de combustível na aeronave de 3.000. Pouco combustível a mais em caso de problema. Como ter de desviar de nuvens carregadas, como foi o caso, já que na segunda-feira chovia muito no trajeto.
E também a falta de convicção ao falar com a torre de controle de voo. Na hora de disputar o direito de aterrizar com um airbus da Viva Colômbia, na visão de Camacho, Quiroga teria escondido a possibilidade de pane seca. Se assumisse, o combustível no limite, a Lamia poderia ser penalizada. Já que é algo considerado intolerável na aviação. O airbus alegou ter pouco combustível, correu esse risco. E teve a preferência. O que obrigou o avião da Chapecoense a dar duas voltas, para esperar no ar.
Essas voltas podem ter acabado com o que restava de combustível e provocado a pane seca. Problemas elétricos são os primeiros sintomas quando um avião não tem combustível para se manter no ar.
Camacho, falando ao Diário Catarinense, critica a escolha da aeronave para fazer esse tão importante deslocamento. E levanta um ponto importantíssimo. O despreparo dos clubes em escolher as aeronaves quando precisam de qualquer voo fretado.
"A Chapecoense não se assessorou bem para contratar um voo como esse."
Abaixo, a dura entrevista.
A distância entre os aeroportos da Bolívia e de Medellín é praticamente o trajeto máximo que o avião poderia percorrer sem parar para abastecer. A causa do acidente foi falta de combustível?
Com a autonomia que ele (avião) tinha, com as devidas degradações, ele deve ter ficado sem combustível. É 90% de probabilidade de ele ter ficado sem combustível no final.
E não terá outro motivo?
Quando o piloto do avião da Chapecoense declarou que foi uma pane elétrica ele falou para o controlador aéreo em outras palavras: também estou em emergência, tenho de pousar já. Aí as coisas são aceleradas.
A imprensa colombiana chegou a falar em despejo de combustível antes da queda. É possível?
Não procede. Esse é o tipo de avião que não tem esse sistema de alijamento de combustível, é um avião regional. Somente aviões de grande porte, tipo o jumbo, que decola com o peso máximo de decolagem muito superior ao peso máximo de pouso dele. E se ele tiver de voltar imediatamente, tem que queimar 50, 60 toneladas de combustível. E ele não consegue queimar essa quantidade se tiver que pousar rápido. Então ele é direcionado para uma região específica, determinada pelo controle de tráfego aéreo, no momento sobre o oceano, e lá ele alija, abre umas bocas nas pontas das asas, e de lá sai uma quantidade muito grande de combustível, sob pressão. Lá, ele despeja umas 70 toneladas por exemplo em oito minutos. Mas nenhum desses tipos de avião pequeno tem sistema de alijamento, porque o peso de decolagem não é muito superior ao de pouso. Se tiver que voltar em seguida, não vai afetar estruturalmente esse avião.
Como foi a queda do avião da Chapecoense, de acordo com a imagem do avião na área do acidente e os dados do radar?
Ele não estava acelerado, ele caiu meio parando mesmo, segurando. E pode ter estolado (quando perde a sustentação) naquele ponto. O que o piloto faz quando vê que está estolando? Ele levanta o nariz da aeronave. O avião quebrou em três partes, bateu chapado e correu 100 metros. Todas essas informações convergem para que ele realmente tenha ficado sem combustível no final. Tem um momento que o piloto levanta o nariz para a fase de descida, e o combustível corre para trás. Os pickup points dos tanques ficam na frente. Quando ele levanta o nariz, o que pode ter acontecido, apagaram os quatro motores. Vamos saber isso onde? Nos gravadores de dados de voz e de voo, caso as autoridades falem que estavam funcionando. Porque, anote aí, que possivelmente os gravadores de dados e de voz sejam declarados inoperantes.
Por que inoperantes?
Não foram recuperados, as leituras não foram positivas. Pode aparecer algum problema com os gravadores de dados de voo e de voz como foi o caso do avião do Eduardo Campos, que também falharam. Coincidentemente em 2001, na Suíça, um avião que bateu lá tinha o mesmo problema com as caixas pretas. Os gravadores de dados e de voz são testemunhas vivas das unidades investigadoras. As autoridades colombianas também são militares. Se houver um apadrinhamento, um compadrio, eu, se fosse um dos militares nesse momento, diria: os gravadores de dados e de voz não estavam operando. Vai penalizar quem? O comandante do voo, que já morreu? O dono da empresa? Que foi o próprio comandante? Vai fazer ele ir para a cadeia? Pagar multa?
O senhor tem informação quando o avião da Chapecoense entrou em contato com a torre de controle para declarar emergência?
Ele não declarou emergência em momento algum. Ele só falou que tinha um problema elétrico. Só que essa expressão "estou com uma pane elétrica"é uma espécie de código, quando você entre partes diz que está com problema. Não pode declarar porque está gravando no avião, na torre e nas outras aeronaves e também estou emergência. Qual é a emergência você tem? "Tô com problema de combustível, tô caindo". Claro que o cara de Medellín sabia que a coisa tava pegando lá.
Quem deve ser responsabilizado? A torre de comando? A empresa?
AUTOR ; COSME RÍMOLI
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