Os portugueses, e os benfiquistas em particular, podem nem todos conhecer a geografia de Maputo, a antiga Lourenço Marques, mas já terão ouvido falar do bairro da Mafala, berço de Eusébio, o mais consagrado símbolo do futebol português.
Mas se há um bairro maputense que pode esgrimir um pedigree futebolístico quiçá superior ao da Mafala, esse bairro só pode ser o Alto Maé, uma zona da cidade que dista pouco mais de quilómetro e meio do bairro que viu nascer Eusébio. Ali, a meio caminho entre o Chamanculo e Malhangalene, nasceram e cresceram grandes nomes do futebol moçambicano e português como Matateu, Vicente, Hilário e Mário Coluna...
Talvez seja injusto para Mário Coluna, o «Monstro Sagrado» do Benfica e da seleção, começar a crónica da sua biografia falando de Eusébio. Mas se não fosse a «Pantera Negra», muito provavelmente esta biografia seria sobre o melhor jogador moçambicano ou benfiquista de todos os tempos...
Mas havendo um senhor chamado Eusébio na história, essa questão não se coloca, e por certo que Coluna, aliás «Senhor Coluna», como Eusébio sempre lhe chamou, não se importa rigorosamente nada de ser segundo, se o primeiro é o seu amigo e afilhado, compatriota e benfiquista, Eusébio da Silva Ferreira.
Infelizmente, numa daquelas coincidências mórbidas, os dois grandes amigos e colegas, símbolos maiores do benfiquismo e de Portugal, acabaram por partir deste mundo separados por menos de dois meses...
Primeiros passos
Cresceu numa casa de zinco, pobre, mas honrada, filho de um português da Beira Baixa e de uma moçambicana, no Alto Maé. Foi ali que cresceu, aprendeu a ler e a dar os primeiros pontapés na bola. Foi também ali que começou a trabalhar desde de tenra idade...
Atleta, desde miúdo que trepava às árvores com imensa facilidade, com o objetivo de apanhar mangas ou caju. Era exímio também no boxe e quando se dedicou ao atletismo, e ao salto em altura, bateu facilmente o recorde de Moçambique.
O futebol também lhe interessava, e apesar do sonho de ser mecânico de automóveis, cedo descobriu na sua vocação para a bola, a possibilidade de fugir à miséria a que estaria votado, numa sociedade onde as oportunidades não eram muitas para um pobre, filho de um português e de uma indígena. Os tempos eram outros, e na sociedade colonial de Moçambique, os portugueses 100% brancos não abriam mão do seu «clube fechado». O sangue negro que lhe corria nas veias fechava-lhe muitas portas, e por saber isso, Mário Coluna sempre esteve atento à possibilidade de fintar o destino.
Depois de dar nas vistas no Ferroviário, passou para o Desportivo, a então filial dos «encarnados» de Lisboa. Jogando a avançado, tornou-se um caso sério no campeonato local, levando o clube a diversas vitórias.
A fama do Desportivo atravessou fronteiras e chegou à vizinha África do Sul que convidou o clube de Lourenço Marques para uma visita. O Apartheid que vigorava no vizinho do sul, impediu Coluna de viajar com a equipa, que actuando só com brancos, acabou por perder por 2x1.
Mas na visita dos sul africanos a Lourenço Marques, Coluna já pôde jogar e vingou-se apontando os sete golos da vitória por 7x0. Na metrópole, ou Portugal Continental como chamamos hoje em dia, os três grandes mostravam interesse em contratar a jovem estrela moçambicana. O primeiro a tentar a contratação foi o FC Porto, depois foi a vez do Sporting que dobrou a proposta, mas seria apenas à terceira, quando o Benfica, que até ofereceu menos que os leões, apelou ao coração de Coluna, e fez valer o estatuto de casa mãe, para fazer o jovem jogar de águia ao peito, corria o ano de 1954.
Benfica
A presença de Coluna na Luz seria preponderante na correlação de forças no futebol lusitano. Até à chegada de Coluna, o Sporting era a maior potência futebolística portuguesa, acabando de conquistar um tetracampeonato que garantia o sétimo título em oito anos. Durante os dezasseis anos que se seguiram, Mário Coluna faria parte das diversas equipas benfiquistas que conquistaram dez campeonatos. Ao abandonar o Sport Lisboa e Benfica, às águias eram as dominadoras absolutas do futebol em Portugal.
Apesar da história de sucesso, a verdade é que os primeiros tempos de Coluna no Benfica foram difíceis. Sem se conseguir impor na equipa, não convencia Otto Glória a jogar como avançado. Raramente convocado, ponderou abandonar Lisboa, ou mudar de clube.
O treinador brasileiro resolveu então fazer recuar Coluna no terreno e o resto, é literalmente história. Com a sua força, capacidade de técnica, aliada a uma soberba visão de jogo, Coluna começou a comandar a equipa encarnada do meio do campo, tornando-se no pêndulo do futebol encarnado.
Campeão no ano de estreia, voltou a ser campeão em 1957, mas a época dourada seria a de sessenta, onde o seu Benfica conquistou oito campeonatos em dez épocas, além de ganhar duas Taças dos Campeões Europeus em cinco finais disputadas. Um feito que nem Eusébio se pode gabar.
Com o passar dos anos, recuou de dez para seis, liderando as equipas onde jogava cada vez mais de trás, com a sua voz de comando imperial, mantendo intocável a sua capacidade de leitura e distribuição de jogo.
Seleção e retirada
Na seleção, depois de algumas dúvidas, foi convocado por Manuel da Luz Afonso para se tornar uma das pedras fundamentais de Otto Glória durante o Campeonato do Mundo de 1966. Em Inglaterra, brilhou a alto nível, ajudando Portugal a conquistar o bronze e ganhando um lugar no onze da FIFA.
Abandonaria a seleção dois anos depois, após ter vestido a camisola das quinas 57 vezes. No Benfica jogaria até 1970, quando foi dispensado, e sem remédio, acabou por ter de experimentar a carreira no estrangeiro, impedido que fora de terminar a carreira no clube do seu coração.
Em França, com a camisola do Olympique de Lyon, jogaria apenas por 19 vezes, acabando a carreira finalmente em 1972. Pendurou as botas e regressou a Lisboa, mas pouco anos depois, após a independência de Moçambique, regressou a casa, para viver em Maputo, ajudando à reconstrução e crescimento do seu amado Moçambique, onde, entre outras funções, foi presidente da Federação.
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